Há uma mágica que só acontece no silêncio do vento, na vontade da natureza do Sertão nordestino: a região pode estar seca como estiver, mas basta chover algumas poucas horas para a paisagem mudar de repente. O ocre deprimido dos matos se transmuta em tonalidades do verde mais verde e esse é o mistério. Em questão de horas, onde a luz e a imaginação alcançam, passa a existir um degradê de alegrias.
É surpreendente a rapidez com que o cenário passa a ser outro, como se a própria vida partisse da água. Eu sempre achei fantástica essa capacidade de refazimento do meio natural. Uma chuvinha rendinha, não digo que seja o suficiente, mas quando chove-de-juntar-água, é o próprio verde quem anuncia que coisas boas virão na sequência. É tanto que se você viu a paisagem seca, e voltar a contemplá-la, já com a terra molhada, a paisagem ou você estará mudado.
No verde-novo os pássaros reaparecem, o cheiro da clorofila enche o ar, os sapos coaxam, o vento sopra como se a manhã se prolongasse por mais tempo. Onde estavam escondidas aquelas folhas do tapete da caatinga, que reapareceram e cresceram tão rapidamente? Árvores como juazeiro, marmeleiro, baraúna, algaroba, que pontuavam dramaticamente a paisagem, igual a um quadro de Vidas Secas, passam a exibir ramagens frondosas. Agora, dão sombra e oferecem-se para os ninhos.
Os pezinhos de alfavaca chegam à beira da estrada, disputando espaços com a acácia, o melão-de-são-caetano e a canafístola de florezinhas amareladas. Passo de carro pelas estradas do Sertão, olhando a paisagem, sem buscar respostas, pois desde cedo aprendi que sou limitado e compreendi que ali há um mistério: o surgimento repentino do verde acusa que a ciência é precária. Que os critérios são frágeis. Que a transmutação acaba com o radicalismo dos céticos, dos sem-esperança. E que os olhos e o coração podem ser enganadores.
Quem gosta dessa breve estação são as abelhas. Lembro-me que era assim que dizíamos, na infância: as abelhas gostam do verde. Se o calor passa da conta, elas não param num canto e migram em enxame. Mas, fazem a viagem de volta e formam colmeia na região, quando chove, porque conhecem as floradas. As abelhas sentem o exato momento da fotossíntese e vêm provar do néctar das florezinhas do muçambê. Agradecem o pólen recebido, pagando em gotas suaves, doces e puras.
Por esses dias, estive no Sertão. Andou chovendo por lá. Na estrada, comparo as diferenças: se nas cidades grandes a gente reclama das chuvas, aqui seria desafiar a Deus. E os deuses, como se sabe, não controlam sua ira. As águas do outono escoam na beira das estradas. Há uma ordem, uma conformidade simples nessas coisas da natureza, como uma obra de arte conexa. É preciso chover para o destino se consolidar como providência.
Mas é preciso reconhecer também que a força da água é igual e contrária, em intensidade, à do fogo do Sol. É ela quem queima com competência, durante a estiagem, o mesmo Sertão radiante. Se através do fogo nada permanece, a água tudo transforma. O ar que sopra é a metáfora de toda mudança e somente a Terra é resiliente. A terra é anterior a tudo, aos processos cíclicos. Terra sertaneja onde tudo é o mesmo elemento, origem e fim. Há uma Física que une tudo.
Viajar ao Sertão é a minha Odisseia. Rever o Sertão é uma batalha entre os mitos que preservo e o meu racional. Uma luta constante contra o esquecimento para realizar o passado, reafirmar a glória dos meus mortos, salvaguardar o futuro. Pelo menos em palavras e fantasias.
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