terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O sonho murcho na padaria de Bolsonaro

Uma padaria não é mais uma simples padaria cercada de pão doce por todos os lados. Uma padaria agora é uma prova do crime, uma cena inesperada do grande escândalo nacional, e sexta-feira passada, curioso pela própria natureza, fui até aquela de Copacabana onde Bolsonaro tinha tentado esconder sob sigilo de 100 anos uma despesa de R$ 55 mil.

“O sonho do Bolsonaro acabou?”, eu provoquei o funcionário assim que sentei à mesa para fazer os pedidos do lanche.


O Rio tem um roteiro atualizado de pães de fermentação natural, mas de um modo geral as padarias sofreram um processo cafona de gentrificação. Perderam a identidade. Misturaram-se com pizzarias, lanchonetes, supermercados, todas envergonhadas em apresentar ao distinto público o balcão tradicional onde dormitava inesquecível a gloriosa bisnaga fumegante de tantas infâncias.

Você saía da padaria com a bisnaga embaixo do braço, carregadinha de amor e pronta para ser barrada de manteiga Aviação. Já no caminho de casa, no entanto, sem resistir à gula, devorava os dois bicos dela que, salientes, provocavam a libido gustativa para fora do papel do embrulho. Melhor, naquele período, só o primeiro beijo.

Na hora do lanche, essa hora tão feliz, Bolsonaro jamais escalaria a Casa Cavé, há 162 anos na esquina da Uruguaiana com Sete de Setembro, para torrar seus pedidos de padaria inconstitucional, todos fura-bolos e acima do teto de gastos. A Cavé é pura poesia dos confeitos cariocas.

O ex-presidente, fã de frango frito, desprezaria seu cardápio lírico de toucinho do céu, travesseiro de amêndoas, papo de anjo, almofada, alunete, brisa, Dom Rodrigo, Margarida, lamego, pingo de tocha e trouxa d’ovos. Por mais corporativo que lhe fosse o cartão, Bolsonaro não gastaria aqui um níquel dos R$ 361.998,80 que durante os quatro anos de governo despejou na insossa padaria-lanchonete-restaurante de Copacabana.

No lanche de sexta-feira passada, eu e meus dois netos, senhor Eduardo e senhora Vera, gastamos um total de R$ 41,80, saídos em espécie do bolso do colunista. Foram sete itens: um café expresso (R$ 6,90), um pão de queijo (R$ 9,90), um suco de caju (R$ 11,90), um pão na chapa (R$ 4,90), um suco de melancia (R$ 10,90), um ovo mexido (R$ 5,90) e, sim, ele não tinha acabado, o sonho (R$ 7,80).

Ainda não se sabe exatamente o que o ex-presidente consumiu na padaria. Pela quantia espetacular num comércio relativamente barato é provável que tenha experimentado cada produto da casa, e em algum momento passou pelo mesmo tal sonho, murcho e triste, que me chegou à mesa.

O serviço demorou. Foi preciso acionar um segundo garçom (o primeiro estava atarantado com um rádio que trazia por baixo do uniforme e de onde, enquanto ele anotava o pedido, uma voz gritava “padaria! padaria!”, num tom de “socorro! socorro!” que assustava as mesas do salão).

Ao fim, veio um sonho gorduroso, que se caracterizava pela falta absoluta de delicadeza na proposta. A massa do pão e o recheio de creme amarelo uniram-se para dar ao sonho de Bolsonaro a mais radical falta de gosto. Fiquei em duas dentadas protocolares.

Na saída, perguntei ao caixa se tinha visto o ex-presidente por ali. Embora bem-humorado, o rapaz fez mais uma denúncia às muitas que agora se juntam contra o ex-cliente das despesas panificadoramente milionárias:

“Se ele deixasse os 10% dos funcionários a gente tava é bem!”

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