terça-feira, 17 de maio de 2022

Se reeleito, Bolsonaro dará um chute no traseiro dos seus devotos

Foi assim que fez Benito Mussolini, o Duce da Itália fascista dos anos 20 a 40 do século passado, tão logo se consolidou no poder. “O homem da Providência”, como o batizou o Papa Pio X, expurgou de suas fileiras mais de 100 mil fascistas de raiz, todos sinceros, porém fanáticos, radicais, que atrapalhavam seus planos.

Sem jamais desprezar o emprego da violência, no comando de um Estado policial onde já não havia mais oposição e o Rei era seu maior aliado, Mussolini queria ser reconhecido pelo mundo como um estadista, e foi, até aliar-se a Hitler, ser deposto, virar um governante fantoche e, por fim, ser morto pela resistência italiana.

Morreu fuzilado. Seu corpo, e o da sua amante, foram expostos em uma praça de Milão, onde o fascismo nasceu depois da Primeira Guerra Mundial. Bolsonaro não precisa se preocupar porque essas coisas não acontecem por aqui. Nem mesmo se preocupar em ser preso. Este é o país dos acordos, não de rupturas.

Investigado em quatro inquéritos que correm no Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro usa o risco de ser preso para se vitimar e despertar os instintos mais primitivos dos seus devotos, para além dos que se reúnem no cercadinho do Palácio da Alvorada. Para todos, ontem, ele passou recibo do seu desespero.



Talvez tenha sido até aqui o recibo mais escandaloso do primeiro presidente candidato à reeleição da história do Brasil que poderá ser derrotado. “A liberdade é mais importante que a nossa própria vida. Ainda falam que eu vou ser preso. Por Deus que está no céu, eu nunca serei preso”, afirmou Bolsonaro.

O discurso de improviso, recheado de palavrões e de gritos, foi feito diante de empresários em um almoço fechado que marcou a abertura de uma feira da Associação Paulista de Supermercados, na zona norte da capital paulista. Pelo cálculo dos organizadores do evento, compareceram 720 pessoas. Os aplausos foram tímidos.

“Eu não sou fodão, não”, disse Bolsonaro, antes de profetizar que o país terá em outubro “eleições conturbadas”. Segundo ele, “tudo pode acontecer. Podemos ter outra crise. Podemos ter eleições conturbadas. Imagine acabarmos as eleições e pairar, para um lado ou para o outro, a suspeição de que elas não foram limpas?”

“Não sou ditador. Sou uma pessoa que tem responsabilidade com o Brasil”, ponderou, para em seguida dizer que “só Deus” poderá tirá-lo da presidência. “Não adianta ficar inventando canetada”. Deus nada tem a ver com isso. Aos homens, concedeu o livre arbítrio. Aos eleitores, caberá decidir a sorte de Bolsonaro.

Foi Lula quem falou que Bolsonaro não teme o voto eletrônico, teme ser preso. Mas não foi o que Lula disse que fez Bolsonaro exaltar-se. Seu destempero foi tal que ele criticou até parte dos brasileiros por sua ignorância. Costuma ser um mau sinal quando candidato critica o povo:

“Uma parte da população não sabe ver diferença. Olha na ponta da linha o preço na gôndola do supermercado e vota de acordo com o que está vendo, achando que vai voltar o diesel a R$ 3, a lata de óleo a R$ 5″.

É sinal de amadorismo quando um candidato dá munição de graça aos adversário, e Bolsonaro deu antes de voar a São Paulo:

“Falam ‘no tempo dele, o povo vivia um pouco melhor do que hoje’. Lógico que vivia, eu concordo. Não tinha o pós-pandemia, do ‘fique em casa’, economia cheia de coisa, uma guerra, entre outros problemas”.

Lula poderá invocar o testemunho de Bolsonaro de que o povo vivia melhor quando ele governava o Brasil. Por sinal, em 2002, Bolsonaro votou em Lula para presidente. Depois procurou-o para sugerir um nome para ministro da Defesa. Levou um chá de cadeira na Granja do Torto e foi embora sem ser recebido.

Bolsonaro sequer tem se dado o cuidado de poupar os que lhe dão razão e atendem aos seus apelos. A pretexto de defendê-los, chamou muitos deles de “malucos” no último domingo em Brasília:

“Um maluco levanta uma faixa lá: AI-5. Existe AI-5? Tem que ter pena do cara”.

Não “tem que ter pena do cara”. Os “malucos” repetem o que já ouviram de Bolsonaro e dos seus filhos. Ouviram que a ditadura de 64 foi boa, ouviram que ela matou menos gente do que deveria, ouviram elogios à tortura e ao coronel torturador Brilhante Ulstra, e ouviram os ataques à Justiça, como este, o mais recente:

“Só um psicopata ou um imbecil para dizer que os movimentos de 7 de Setembro e 1º de Maio atentam contra a democracia. Quem diz isso é um psicopata ou imbecil”.

Ministros do Supremo e do Tribunal Superior Eleitoral classificaram as manifestações bolsonaristas de 7 de setembro do ano passado e de 1º de Maio deste ano de atentados contra a democracia.

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