sexta-feira, 18 de março de 2022

A mãe de todas as bombas

O ponto central do debate sobre as diferentes tragédias sociais em todas as épocas foi sintetizado por Jeffrey Sachs: “Todos os anos mais de 8 milhões de pessoas morrem no mundo por causa da miséria” (O Fim da Pobreza).

Nesse cenário, fica engraçado o hábito de se atribuir uma mãe a todo problema que acomete a humanidade. Reparem que, no caso do telefone, avião, luz elétrica e outras boas novas, nomeia-se um pai.

Enquanto isso, tragédia só tem mãe. Por exemplo, pandemias, guerras e bombas têm “a mãe” e essa maternidade superlativa se renova de tempos em tempos. São recorrentes as “mães de todas as guerras” (provocadas por homens) e as “mães de todas as pestes” desde a lepra até a Covid-19.

Porém, a mãe que mais evoluiu foi a das bombas. No séc. XVI canhões chineses lançaram as primeiras “mães de todas as bombas”. Não havia muralha que resistisse a tanta mãe. Os espanhóis e os turcos também tiveram suas próprias mães (de todas as bombas) disparadas por canhões gigantes.

As últimas balas de canhão de porte descomunal foram usadas na I Guerra Mundial (outra “mãe de todas as guerras”). Depois de então, os artefatos mais destrutivos passaram a ser despejados de aviões.

Foi o caso da bomba atômica, a mais poderosa “mãe de todas as bombas” já usada em um conflito. Curioso é que essa mãe das bombas recebeu um nome inocente, de filho – “Fat Boy” – pelo seu design rechonchudo. Enquanto isso, o piloto que a lançou sobre Hiroshima escreveu na fuselagem do seu B-29 o nome da sua mãe – “Enola Gay”.

Após tantas candidatas nucleares terem enferrujado nos mísseis da Guerra Fria, a última “mãe de todas as bombas”, lançada em uma operação militar, acabou sendo um dispositivo convencional norte americano, a MOAB, jogada sobre o Afeganistão numa demonstração de força do presidente Trump.


Entre tantas mães explosivas, seria razoável encontrarmos um pai à altura. Para poupar uma busca improdutiva pelos possíveis pais de cada bomba em sua época, podemos refletir sobre a hipótese de haver um único “pai de todas as bombas”.

E, antes que alguém, por distração ou vontade, resolva atribuir tal título de genitor universal a algum canhão, um avião, ou talvez um cientista, vale a pena considerar que o pai de todas essas bombas pode ser, também, pai de uma prole maior, incluindo a pobreza, a fome, aquecimento global, criminalidade e o racismo.

Desvendar paternidade nunca é tarefa fácil, porque os pais que não assumem seu ato disfarçam-se de formas sutis. Além do mais, para o tipo de ascendência em questão, não há exame de DNA. É preciso procurar rastros e vestígios.

Ocorre que, em uma sociedade narcisista orientada pelo acúmulo de riquezas e pela obsessão do consumo, inevitavelmente a digital mais nítida estará no dinheiro. Seguindo as pegadas dos fluxos financeiros, não será difícil concluir que o “pai de todas as bombas” sempre foi a desigualdade social.

A desigualdade é o maior mecanismo de devastação inventado até hoje. À primeira vista pode parecer que as bombas provoquem pobreza. Contudo, olhando com atenção, o ciclo é inverso.

A desigualdade social financia as aventuras belicosas por meio das transferências de renda e riqueza, das populações e territórios mais pobres para os segmentos econômicos capazes de investir no negócio da guerra.

Basta observar que durante a pandemia a receita anual dos 100 maiores grupos do setor mundial de defesa manteve-se acima de meio trilhão de dólares, concentrados em 15 países, enquanto a economia mundial diminuiu mais de 3% ao ano (fonte: SIPRI, Estocolmo). Vejamos, nos eventos da Ucrânia, quem terá lucrado ou empobrecido ao final.

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