sábado, 7 de agosto de 2021

Clima mundial piora a partir de 2030, e Amazônia poderá virar floresta seca

Milhões de famintos, êxodo, conflitos, queda de atividade econômica e crise social. Esses são alguns dos cenários traçados por cientistas diante da constatação de que as mudanças climáticas vão se acelerar nos próximos anos e que, se não houver uma transformação radical de políticas públicas e estrutura da economia, a presença humana no planeta viverá uma nova era, muito mais hostil.
No horizonte, a projeção é de que o aquecimento do planeta provoque em diferentes partes uma “ruptura social”. Mas em todos os cenários para o século 21, as conclusões apontam para a mesma direção: serão os mais pobres e vulneráveis quem pagarão um preço mais elevado - e por vezes insuportável- pela transformação climática.

A partir de segunda-feira, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) começa a publicar uma série de novos informes, num calendário que está previsto para durar até fevereiro de 2022.

Uma das principais constatações dos cientistas é de que o mundo viverá uma transformação de seu clima anos antes do que se previa originalmente. A elevação intensa poderá já ser identificada na década de 2030, cerca de dez anos antes das estimativas feitas no início do século.

No informe, a temperatura pode exceder nos anos 2030 a marca de 1,5°C em relação ao período de 1850-1900, com uma probabilidade entre 40% e 60%.

Os glaciais continuarão a perder massa por pelo menos várias décadas, mesmo que a temperatura global esteja estabilizada. Há uma alta possibilidade de que tanto a Groenlândia quanto as placas de gelo da Antártida continuarão a perder massa ao longo deste século.

O IPCC também desfaz qualquer ilusão sobre a questão das cidades costeiras. “É praticamente certo que o nível médio global do mar continuará a subir ao longo do século 21, com uma provável elevação de 0,28-0,55 m (no cenário menos pessimista) e 0,63-1,02 m (no cenário mais pessimista) em relação à média de 1995-2014”, diz.

No caso da Amazônia, o rascunho do informe inclui a floresta entre os pontos do planeta que poderão caminhar para um “ponto de ruptura”.


“A floresta amazônica como um repositório de biodiversidade está ameaçada pela relação entre as mudanças no uso da terra e as mudanças climáticas, que poderia levar a uma transformação ecológica em larga escala e a mudanças biológicas a partir de um floresta úmida em floresta seca e pastagens, reduzindo a produtividade e o armazenamento de carbono”, alerta o informe, em sua versão original.

“Eventos extremos mais frequentes e intensos, adicionais às tendências climáticas progressivas, estão empurrando mais ecossistemas para pontos de ruptura além dos quais mudanças abruptas ou transições para um estado degradado ou totalmente diferente podem ocorrer”, alertam.

Num primeiro momento, o documento que está sendo concluído nesta semana afirmará de forma clara que é “muito provável” que as atividades humanas na emissão de CO2 sejam os “principais motores” do aquecimento desde 1979 e “extremamente provável” que a ação humana seja a causa da destruição da camada de ozônio.

Há mais de uma década, o IPCC constatou que as mudanças climáticas já eram uma realidade e seu trabalho foi recompensado com um prêmio Nobel da Paz. Agora, os cientistas apontam que tal cenário está intimamente relacionado com a atividade humana e que não se trata de um ciclo do planeta, um golpe contra negacionistas.

O documento, o primeiro de tal dimensão em sete anos, está sendo negociado por cientistas e representantes de governos. Mas versões iniciais do rascunho do texto, obtidos pelo EL PAÍS, constatam a influência humana para o aumento da umidade atmosférica, para a precipitação e proliferação de eventos extremos.

A influência humana também é considerada “muito provavelmente” como o “principal motor do recuo global das geleiras” e “muito provavelmente” contribuiu para a diminuição observada na cobertura de neve na primavera do Hemisfério Norte desde 1950″.

O levantamento constata ainda que as concentrações atmosféricas de CO2, metano e N2O são mais altas do que em qualquer momento em pelo menos 800 mil anos, e as atuais concentrações de CO2 não foram experimentadas por pelo menos 2 milhões de anos.

Não existem mais espaços para dúvidas: o aquecimento é uma realidade e os eventos climáticos extremos vão se multiplicar pelo século 21, mesmo que a comunidade internacional consiga neutralizar as emissões de CO2.

Os documentos definitivos do IPCC ainda poderão ser modificados, principalmente por pressão de governos. Mas, em suas versões originais e estabelecidas por cientistas, o alerta é claro de que, sem uma ação imediata, o século 21 será um desafio sem precedentes.

Um dos destaques se refere à capacidade de alimentar sociedades. Num dos documentos que será publicado nos próximos meses pelo IPCC, a mudança climática é projetada como um fator que irá impactar negativamente a segurança alimentar e a nutrição, causando um aumento do número de pessoas em risco de fome em 2050 em até 80 milhões de pessoas.

Segundo o rascunho do informe, “algumas terras secas se expandirão até 2100” e haverá um aumento da concorrência por terra, energia e água através da intensificação da produção de alimentos.

“Os principais impactos projetados da mudança climática no setor agrícola e alimentar incluem um declínio em pesca, aquicultura e produção agrícola, os rendimentos agrícolas serão impactados, especialmente na África Subsaariana, África, América Central e do Sul, Sul e Sudeste Asiático”, alerta o IPCC, indicando para implicações para a segurança alimentar.

Um aumento de temperatura no século 21 de 2,3ºC causaria um declínio de 188-415.000 km2 no uso de terras na Mesoamérica e entre 52-405.000 km2 na América do Sul. A produção de milho seria impactada na Europa, assim como o cultivo de cereais e soja em baixas latitudes são projetadas para diminuir em aproximadamente 5% a cada 1°C de aquecimento. A produção australiana de trigo ainda pode diminuir 7-9% até os anos 2050.

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