terça-feira, 6 de abril de 2021

Cúpula militar acende alerta sobre bolsonarismo e agora tenta calcular perdas e ganhos

Novembro de 2014. Um grupo de aspirantes a oficial do Exército brasileiro cruza com Jair Bolsonaro nos jardins da Academia Militar das Agulhas Negras. Começam a gritar: “Líder, líder, líder...”. Ele cumprimenta agradecido e improvisa algumas palavras diante das dezenas de jovens com uniforme de gala e quepe.

“Precisamos mudar esse país. Alguns vão morrer pelo caminho, mas em 2018 estou disposto, se Deus permitir, tentar jogar para a Direita esse país! (...) O Brasil é maravilhoso, temos de tudo aqui. Está faltando é político!”. Os militares aplaudem com entusiasmo, como mostra o vídeo publicado no YouTube por um dos filhos do atual presidente.

Quando Bolsonaro falou aos cadetes começava o quarto mandato do Partido dos Trabalhadores. Na Presidência, Dilma Rousseff, que entrou na história como a primeira presidenta. Mas também era uma guerrilheira que foi torturada durante a ditadura e impulsionadora da Comissão da Verdade. A corrupção do PT aflorava. A operação Lava Jato acabava de nascer.


Esse momento —as palavras, o público, o cenário— ajuda a entender a crise que explodiu surpreendentemente nesta semana entre o presidente mais ligado aos militares desde que o Brasil recuperou a democracia, em 1985, e a cúpula das Forças Armadas. Poucas vezes se viu o ultradireitista mais à vontade do que em um quartel cercado de militares, mas na terça-feira destituiu sem consideração o ministro da Defesa. Em um efeito dominó, no dia seguinte os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica renunciaram em uníssono.

Outro ponto fundamental é o alerta lançado por um dos demissionários, o general Edson Leal Pujol, comandante em chefe do Exército, há quatro meses: “Não queremos ser parte da política de governo e do Congresso, assim como que a política entre em nossos quartéis”. A crise aberta, inédita, disparou as procuras no Google do Brasil de “o que é um golpe de Estado”.

Bolsonaro, reformado do Exército como capitão há 33 anos, “avança cada vez mais em seu projeto de transformar as Forças Armadas em instrumento de Governo. Deu os primeiros passos em 2014, quando visitou a academia militar para começar sua pré-campanha”, diz o professor Eduardo Heleno, da Universidade Federal Fluminense (sem parentesco com o ministro-general de mesmo sobrenome). A crise desmedida desta semana é consequência da “politização dos militares, um fenômeno que Bolsonaro impulsiona, e a militarização da política, que não começou com ele”, acrescenta o especialista do Instituto de Estudos Estratégicos.

Deputado medíocre, em 2014 Bolsonaro era um nostálgico da ditadura famoso por suas grosserias misóginas e homofóbicas. Retornava à academia localizada entre o Rio de Janeiro e São Paulo onde se formou. Durante anos esteve proibido de pisar os quartéis por indisciplina. Abandonou o Exército após ser absolvido em um tribunal militar de instigar a soldadesca ao protesto, mas saiu sem honras. O ditador Ernesto Geisel chegou a dizer sobre ele em 1993: “É um caso completamente fora do normal, é até um mau militar”.

Pensar que conseguiria chegar a presidente era uma loucura. Um delírio. Mas soube ler a conjuntura, também nos quartéis, onde fez campanha eleitoral. O Bolsonaro candidato germinou em meio a uma onda gigantesca de desencanto com a política, agitada pelo discurso contra a corrupção e o ressurgimento do ódio ao PT. Capitalizou a irritação com os partidos, com a política tradicional. Como por mágica, conseguiu se vender como candidato antissistema apesar de levar metade da vida de uniforme verde oliva e outra metade na política pedindo melhorias salariais à tropa.

As Forças Armadas que agora afirmam guardar zelosamente o papel que a Constituição outorga a elas pressionaram sem pudor o Supremo Tribunal Federal com uma publicação no Twitter durante a campanha eleitoral de 2018. Era uma frase trabalhada que foi lançada na véspera de os juízes decidirem se permitiriam a candidatura ou não de Lula. “Eu asseguro à Nação que o Exército Brasileiro acredita que compartilha o desejo de todos os cidadãos de repudiar a impunidade e respeitar a Constituição, a paz social e a Democracia, assim como vigiar suas missões institucionais”, tuitou à época o comandante em chefe do Exército, o general Eduardo Villa Boas. O resultado é conhecido. O Supremo não habilitou Lula, que foi preso. E Bolsonaro disparou nas pesquisas.

Vários colegas da academia militar que chegaram ao generalato o acompanharam na corrida à presidência. Todos formados na Guerra Fria, quando o grande inimigo era o comunismo. Já no poder, além do general vice-presidente com quem foi eleito, trouxe vários outros para ministros. Juntos começaram a recrutar militares para o Governo, centenas e centenas que espalharam por todos os órgãos. Hoje presidem 15 empresas estatais (incluindo a Petrobras), e dirigem outras 92. Por volta de 3.000 militares na ativa e outros tantos na reserva ostentam cargos governamentais, segundo as contas de Heleno.

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