A ideia de que “o conhecimento é poder” renasce no ocidente em 1597, com Bacon. Mas o conhecimento tanto pode ser usado para construir um mundo melhor, como para fazer exatamente o contrário. O século XX está pejado de exemplos do que acabo de referir. Hoje percebemos que o conhecimento (sempre incompleto), se for usado de forma integradora, prudente e dialogante, tem uma força imensa. Será chamado para a tomada de decisões em nossa casa, na instituição onde trabalhamos, na cidade e no país onde vivemos e no planeta que partilhamos. É desse conhecimento, em construção, que gostaria de falar.
Os grandes desafios do ano que termina, não são novos. Descobrir vacinas começa com Edward Jenner em 1796, e os objetivos de desenvolvimento sustentável, definidos pelas Nações Unidas em 2015, continuam atualíssimos. Em 2020 essa “lista de coisas a fazer em nome dos povos e do planeta” só se tornou mais urgente. E a pandemia ajudou-nos a entender a complexidade das interligações entre a alimentação, a saúde, o clima, o ambiente, a economia e a política. Com menos de dois milhões de mortes, é de relembrar que as doenças não transmissíveis vitimizam anualmente 40 milhões de seres humanos. Que as vítimas da falta de acesso a estratégias eficazes de planeamento familiar ou do trabalho infantil perduram em muitos países. E que, quase diariamente, ouvimos falar das vítimas das discriminações gritantes, quer étnicas, quer religiosas, políticas e de género.
São três as minhas preocupações atuais. O impacto evidente das alterações climáticas, a agressividade crescente dos movimentos identitários e o saldo final das fake news.
Não deixa de ser irónico já sabermos tanto, e há tanto tempo, sobre as alterações climáticas, e ainda estarmos tão longe de as conseguir mitigar. Os triliões de dados (a Big Data), acumulados há mais de 60 anos, estão na base das previsões que se tem vindo a confirmar anualmente. A nova liderança nos EUA dá-nos alguma esperança, mas o que resta por fazer é gigantesco. Portugal tem sido exemplar neste domínio. Uma Lei de Bases sobre as políticas climáticas, atualmente em discussão no nosso Parlamento, confirma essa posição.
Sempre entendi e participei nas lutas identitárias como necessárias na afirmação da igualdade de direitos. E sei que essas lutas estão longe de terem sido ganhas. Mas sinto uma pressão crescente para um certo tipo de “rotulagem” que enfatiza as diferenças e, na maioria dos casos, não nos aproxima uns dos outros. Eu gostaria de viver num mundo pós-etnia, pós-nação, pós-género, pós-…, e vejo o mundo a caminhar na direção oposta. A resposta europeia à pandemia abre uma nova esperança. Uma utopia?
As fake news e a ideia que todas as opiniões não passam de narrativas diferentes, são assustadoras. Assim como a de que uma opinião repetida muitas vezes, tem de ser verdadeira! A deificação da Natureza e do Natural vem a propósito e o debate atual sobre a vacinação é um excelente exemplo. Muitos dos que não se querem vacinar dizem que, não sendo essa a forma natural de o organismo se defender do vírus, ela deve ser evitada. Ignoram deliberadamente o facto de que ao não se vacinarem, tornam-se fatais para muitos outros, incluindo os que, sofrendo de outras doenças, passaram a ter maior dificuldade de acesso aos serviços de saúde. E esquecem-se que, quase tudo o que a medicina consegue fazer não tem nada de natural. Os antibióticos, as transfusões, os transplantes, a “pílula” e a procriação medicamente assistida resultaram de avanços do conhecimento. As vacinas também. Conforta-me saber que todas estas formas de ultrapassar a Natureza já melhoraram ou salvaram a vida de milhões de seres humanos.
A vivência parlamentar tem consolidado a ideia de que é valorizando o conhecimento, que conseguimos imaginar um mundo melhor.
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