Isto dizia o mestre ao gafanhoto, seu discípulo, numa série de artes marciais muito popular na minha geração.
Embora popular, aparentemente, continuamos a desprezar em alguns casos, não as cobras, mas as lesmas, sem nos darmos conta de que vão corroendo tudo o que foi plantado e, mais do que isso, reproduzem-se a larga velocidade.
Durante muito tempo, pensei que as frases mortais de “isto não há-de ser nada”, “depois logo se vê” e “a malta desenrasca” eram marca registada do bom povo português.
Os acontecimentos dos últimos anos vieram provar que, apesar de não haver povo mais desenrascado que o nosso (a maior parte das vezes às três pancadas, mas enfim), na generalidade, as democracias deitaram-se à verdadeira sombra da bananeira, desdenhado dos sinais e abrindo portas a movimentos que estão à vista de todos.
Recordo dois momentos que marcaram esta minha (nossa) arrogância democrática, que nos deixaram estarrecidos e cujas repercussões ainda hoje não temos bem noção.
Uma foi o Brexit. Estou certa que, tal como eu, muitos foram dormir com a firme convicção de que o “não” iria ganhar e, depois, foi o que se viu e o que mais se verá.
O mesmo aconteceu com a eleição de Trump, a quem todos chamavam de “palhaço”, “demagogo” e que jamais entraria na Casa Branca. Pois bem, ele é efetivamente tudo isso, só que o grande problema neste momento é tirá-lo da Casa Branca, onde chegou pelo voto dos americanos, independentemente de se colocarem questões pertinentes acerca da influência externa que terá existido.
É dos livros e da vida que o poder, quando exercido durante muito tempo (mesmo que em alternância partidária, mas sem que tal signifique alternativa ), assume a falsa sensação de impunidade.A grande questão é esta: a democracia, os grandes partidos, deixaram de saber ler os sinais e sobretudo tornaram-se surdos relativamente ao que o povo precisa e quer.
Se perguntarmos à maioria dos dirigentes europeus, para não dizer mundiais, qual a perceção do povo acerca do exercício da governação, quais os seus anseios, medos e reparos, não sabem. Pior: não querem saber, arvorando-se em guardiões do sentir dum eleitorado, do qual, na maioria dos casos, nunca fizeram parte, já que toda a sua vida foi serem políticos profissionais. Do mundo, do trabalho, das condições de vida, do seu eleitorado, nada sabem!
Ora é exatamente esta ignorância, esta sobranceria intelectual e política que a maioria dos dirigentes têm, que deixa espaço a Trumps, Pens, Chegas e outros quejandos.
Se repararmos nos discursos de todos eles, não vemos uma única solução que não seja um claro atentado aos Direitos Humanos. E, mesmo quando não é dito em voz alta, é murmurado de maneira a fazer-se ouvir (veja-se o debate Ana Gomes/André Ventura, sobre a amputação das mãos a ladrões. Resposta em surdina e quase em modo off : “a alguns não fazia mal”).
Este tipo de argumentário faz sentido numa vasta camada da população que assiste a situações que contradizem os princípios de alguns partidos nos quais depositaram o seu voto, a sua esperança e a sua confiança e que, por isso mesmo, se sentem traídos,. Pouco lhes importa que os extremismos não tenham resposta. O que lhes importa é que as respostas dadas ou omitidas pelos restantes defensores da democracia nada lhes diz ou são contrárias à prática.
Onde falhou, onde falha a democracia?
Muito sociólogos já manifestaram as suas opiniões e, em muitos casos, estou perfeitamente em concordância. Mas a maioria omitiu algo que penso que devia ser uma regra basilar: nenhum dirigente político, nenhum representante do povo deveria poder exercer o cargo sem que tivesse tido um determinado número de anos de trabalho fora da política, no mundo real. Claro que haverá génios que saem das faculdades. Mas, mesmo a esses, falta-lhes algo que não se aprende em nenhum banco de escola, nem sequer em nenhum doutoramento. Falta-lhes Mundo, falta-lhes senso comum, falta-lhes a noção da realidade.
E são estas falhas que partidos extremistas (e não faço distinção entre extremismos de direita ou de esquerda, pois ambos são igualmente perigosos) vão usar como arma de argumentação junto da população. Aqui alguns dirão “população menos esclarecida, com menos literacia”.
Erro basilar e de arrogância, uma vez mais. Para além de não ser totalmente verdade, há algo que é incontestável e que dever-se-á manter: o voto dum doutorado em democracia vale tanto quanto o do analfabeto.
Olhamos o passado e verificamos que praticamente todas as ditaduras tiveram o apoio popular. Pelo menos, as que perduraram no tempo.
Não quero o meu País sob a bota cardada ou os polainitos duma ditadura!
Mas, para tal, é preciso que os partidos democratas, grandes e pequenos, façam um exercício de mea culpa, olhem sem preconceitos para o seu interior e hajam em conformidade sem receios ou tibiezas. Sobretudo que hajam rápido.
Porque os tempos, como canta Bob Dylan, estão a mudar. E, infelizmente, não me parece que para melhor.
Recordo dois momentos que marcaram esta minha (nossa) arrogância democrática, que nos deixaram estarrecidos e cujas repercussões ainda hoje não temos bem noção.
Uma foi o Brexit. Estou certa que, tal como eu, muitos foram dormir com a firme convicção de que o “não” iria ganhar e, depois, foi o que se viu e o que mais se verá.
O mesmo aconteceu com a eleição de Trump, a quem todos chamavam de “palhaço”, “demagogo” e que jamais entraria na Casa Branca. Pois bem, ele é efetivamente tudo isso, só que o grande problema neste momento é tirá-lo da Casa Branca, onde chegou pelo voto dos americanos, independentemente de se colocarem questões pertinentes acerca da influência externa que terá existido.
É dos livros e da vida que o poder, quando exercido durante muito tempo (mesmo que em alternância partidária, mas sem que tal signifique alternativa ), assume a falsa sensação de impunidade.A grande questão é esta: a democracia, os grandes partidos, deixaram de saber ler os sinais e sobretudo tornaram-se surdos relativamente ao que o povo precisa e quer.
Se perguntarmos à maioria dos dirigentes europeus, para não dizer mundiais, qual a perceção do povo acerca do exercício da governação, quais os seus anseios, medos e reparos, não sabem. Pior: não querem saber, arvorando-se em guardiões do sentir dum eleitorado, do qual, na maioria dos casos, nunca fizeram parte, já que toda a sua vida foi serem políticos profissionais. Do mundo, do trabalho, das condições de vida, do seu eleitorado, nada sabem!
Ora é exatamente esta ignorância, esta sobranceria intelectual e política que a maioria dos dirigentes têm, que deixa espaço a Trumps, Pens, Chegas e outros quejandos.
Se repararmos nos discursos de todos eles, não vemos uma única solução que não seja um claro atentado aos Direitos Humanos. E, mesmo quando não é dito em voz alta, é murmurado de maneira a fazer-se ouvir (veja-se o debate Ana Gomes/André Ventura, sobre a amputação das mãos a ladrões. Resposta em surdina e quase em modo off : “a alguns não fazia mal”).
Este tipo de argumentário faz sentido numa vasta camada da população que assiste a situações que contradizem os princípios de alguns partidos nos quais depositaram o seu voto, a sua esperança e a sua confiança e que, por isso mesmo, se sentem traídos,. Pouco lhes importa que os extremismos não tenham resposta. O que lhes importa é que as respostas dadas ou omitidas pelos restantes defensores da democracia nada lhes diz ou são contrárias à prática.
Onde falhou, onde falha a democracia?
Muito sociólogos já manifestaram as suas opiniões e, em muitos casos, estou perfeitamente em concordância. Mas a maioria omitiu algo que penso que devia ser uma regra basilar: nenhum dirigente político, nenhum representante do povo deveria poder exercer o cargo sem que tivesse tido um determinado número de anos de trabalho fora da política, no mundo real. Claro que haverá génios que saem das faculdades. Mas, mesmo a esses, falta-lhes algo que não se aprende em nenhum banco de escola, nem sequer em nenhum doutoramento. Falta-lhes Mundo, falta-lhes senso comum, falta-lhes a noção da realidade.
E são estas falhas que partidos extremistas (e não faço distinção entre extremismos de direita ou de esquerda, pois ambos são igualmente perigosos) vão usar como arma de argumentação junto da população. Aqui alguns dirão “população menos esclarecida, com menos literacia”.
Erro basilar e de arrogância, uma vez mais. Para além de não ser totalmente verdade, há algo que é incontestável e que dever-se-á manter: o voto dum doutorado em democracia vale tanto quanto o do analfabeto.
Olhamos o passado e verificamos que praticamente todas as ditaduras tiveram o apoio popular. Pelo menos, as que perduraram no tempo.
Não quero o meu País sob a bota cardada ou os polainitos duma ditadura!
Mas, para tal, é preciso que os partidos democratas, grandes e pequenos, façam um exercício de mea culpa, olhem sem preconceitos para o seu interior e hajam em conformidade sem receios ou tibiezas. Sobretudo que hajam rápido.
Porque os tempos, como canta Bob Dylan, estão a mudar. E, infelizmente, não me parece que para melhor.
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