Sabemos que nos começos da fundação dos Quinze-Vintes eles eram todos iguais, e que os seus pequenos problemas eram resolvidos pela pluralidade das vozes. Distinguiam perfeitamente pelo toque a moeda de cobre da de prata; nenhum deles tomava alguma vez o vinho de Brie pelo vinho de Borgonha. O seu olfato era mais apurado do que o dos seus vizinhos que tinham dois olhos.
Argumentavam perfeitamente sobre os quatro sentidos, o mesmo é dizer que eles conheciam tudo o que é permitido saber. E viviam tão tranquila e afortunadamente quanto seria de esperar.
Infelizmente, um dos seus professores afirmou ter noções claras sobre o sentido da vista; fez-se escutar, intrigou, formou entusiastas: foi, por fim, reconhecido como o líder da comunidade. Pôs-se a deliberar soberanamente sobre as cores, e tudo se perdeu.
O primeiro ditador dos Quinze-Vinte formou a princípio um pequeno conselho, através do qual se fez senhor de todas as esmolas. Pelo que ninguém ousava resistir-lhe. Decidiu que todos os hábitos dos Quinze-Vintes eram brancos: os cegos acreditaram nele; não falavam senão dos seus belos hábitos brancos, ainda que nem um só tivesse essa cor.
Toda a gente troçou deles, e o grupo foi queixar-se ao ditador, que os recebeu muito mal: apelidou-os de inovadores, de livre-pensadores, de rebeldes, que se deixavam seduzir pelas opiniões errôneas daqueles que tinham dois olhos, e ousavam duvidar da infalibilidade do seu mestre.
Esta disputa deu origem a dois partidos. O ditador, para os apaziguar, decretou um acórdão segundo o qual todos os seus hábitos eram vermelhos. Não havia um único hábito vermelho entre os Quinze-Vintes. Foram alvo de troça ainda maior: novas queixas da parte da comunidade.
O ditador enfureceu-se, os outros cegos também: debateram-se longamente, e a concórdia só foi restabelecida quando foi permitido a todos os Quinze-Vintes suspender o juízo sobre a cor dos seus hábitos.
Um surdo, ao ler esta pequena história, reconheceu que os cegos tinham procedido mal ao julgar as cores. Mas manteve-se firme na opinião de que é aos surdos que cabe julgar a música.
Voltaire (François-Marie Arouet, (1694 - 1778)
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