quinta-feira, 5 de novembro de 2020

O nosso dever face à pandemia

Testar, identificar e isolar. Se queremos mesmo combater a pandemia, é nessas três ações que precisamos de nos concentrar. O foco tem de estar na prevenção, na interrupção imediata das cadeias de contágio, na criação de um sentimento coletivo que demonstre como todos somos importantes e temos um papel a desempenhar nesta tarefa. Pensar que tudo se resolve com mais camas nos hospitais, com mais ventiladores, com mais médicos e enfermeiros é estar sempre a correr atrás do prejuízo (mesmo que isso seja necessário em situações de emergência, porque falhou tudo o resto). E se é verdade que em Portugal temos uma boa capacidade de testagem, ainda nos falta o resto: identificar rapidamente todos os contactos em risco e isolá-los o mais depressa possível, com informação precisa e eficaz.

Se já pensava que esta era a melhor forma de combater a pandemia – até porque foi assim que países como a Coreia do Sul e Taiwan conseguiram quebrar as redes de contágio, sem precisarem de obrigar as suas populações a confinamentos totais –, a minha experiência das últimas semanas mais não fez do que reforçar essa convicção. Descrevo-a, de forma cronológica, com o menor número de palavras que consigo e apelando à paciência e compreensão do leitor.

Osama Hajjaj

No sábado, 24 de outubro, ao sair de casa para ir participar na abertura da VISÃO Fest, um evento público com a presença de 30 oradores de alto nível, recebi a mensagem de que, uma semana antes, tinha estado, durante várias horas numa viagem de carro, com alguém que acabara de descobrir que se encontrava infetado com o SARS-CoV-2. Liguei logo para a linha SNS24, a contar o sucedido. Informaram-me de que devia isolar-me e que iriam enviar-me, em pouco tempo, a prescrição para fazer o teste. Ato imediato: dei meia-volta, deixando a Mafalda Anjos quase sozinha na tarefa de receber os nossos convidados, e entrei em isolamento – embora pudesse ser apenas um falso alarme, não podia, em circunstância alguma, correr o risco de ser o superspreader de um evento pelo qual passaram, entre outros, o primeiro-ministro e a diretora-geral da Saúde. Fiz o teste nessa mesma tarde e recebi o resultado cerca de 44 horas depois: positivo. Nas horas seguintes, liguei a todas as pessoas com quem me lembrava de ter estado, a pouca distância, nas últimas duas semanas. Um dia depois de receber o resultado do teste, foi-me enviado o código para instalar na aplicação StayAway Covid. Estranhamente, mal o introduzi, a app desligou-se, com um agradecimento, partindo do princípio de que somos todos obedientes e respeitamos o isolamento – o que não está provado, infelizmente. Dois dias depois de saber que estava infetado, recebi a chamada de rastreio. Todos os contactos que forneci eram de pessoas que já estavam em isolamento profilático – algumas até com testes feitos, todos negativos! –, porque as tinha avisado da minha condição.

Escrevo isto, no meu décimo dia de isolamento, não por me achar especial – há, de certeza, todos os dias, milhares de portugueses com experiências semelhantes –, mas para ilustrar como o nosso papel, enquanto cidadãos, é absolutamente crucial no combate à Covid-19. Como se observa pelo meu relato, o sistema assenta, quase em absoluto, na colaboração voluntária dos cidadãos. Parte do princípio de que todos nós cumprimos as normas e as recomendações que nos transmitem. Mas se não as seguirmos, temos de ter consciência de que seremos também responsáveis pelo caos que pode instalar-se nos hospitais.

Não há sistema de saúde capaz de resistir à pandemia sem que os cidadãos façam parte da solução. No fundo, basta cumprir, aliás, aquilo que está inscrito no primeiro parágrafo do artigo 64º da Constituição: “Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.” Se o fizermos, podemos passar, individualmente, alguns dias em casa – mas estaremos a evitar que vamos todos, ao mesmo tempo, para casa. Depende de nós!

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