Mais de meio século depois que o presidente Lyndon B. Johnson declarou "guerra incondicional à pobreza", os EUA ainda não descobriram como vencê-la.
Desde a declaração de Johnson, em 1964, o país teve conquistas surpreendentes, como chegar à Lua ou gestar a internet. Entretanto, nesse período, conseguiu uma tímida redução no índice de pobreza, que caiu de 19% para cerca de 12%.
Isso significa que quase 40 milhões de americanos vivem abaixo da linha oficial de pobreza.
Milhares de famílias dependem da ajuda de bancos de alimentos |
Até hoje, segundo estudiosos, o aumento da pobreza foi contido nos EUA graças a uma expansão histórica de subsídios do governo.
Mesmo antes da crise na saúde, o país já destinava anualmente bilhões de dólares a programas de combate à pobreza, em quantias até maiores do que o Produto Interno Bruto (PIB) de alguns países da América Latina.
"Essa é a ironia: seria uma coisa se fôssemos um país pobre e realmente não pudéssemos fazer muito a respeito. Mas temos os recursos", diz Mark Rank, professor da Universidade de Washington em St. Louis, considerado um dos maiores especialistas em pobreza nos EUA, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Pesquisadores apontam para duas razões fundamentais por trás da pobreza nos Estados Unidos: uma tem a ver com simbologia e a outra é pragmaticamente econômica.
Primeiro, os EUA carecem de uma rede de assistência social forte ou programas de apoio à renda como outros países.
Os programas de assistência social que os Estados Unidos implementaram nas últimas décadas, como vale-alimentação ou seguro desemprego, permitiram reduzir em alguns pontos a pobreza, mas são considerados limitados.
Fatores culturais são geralmente lembrados para explicar isso.
"Nós tendemos a ver a pobreza nos EUA como um fracasso individual, ou seja, como se as pessoas não tivessem trabalhado duro o suficiente. Como se tivessem tomado decisões ruins ou não tivessem talento o suficiente. Assim, é algo como: cabe a você se erguer", afirma Rank.
"O resultado é que realmente não fazemos muito em termos de políticas sociais para tirar as pessoas da pobreza."
Somam-se a isso as desigualdades raciais: as minorias sofrem desproporcionalmente no país.
Enquanto 11% das crianças brancas nos EUA vivem na pobreza, essa taxa chega a 32% para crianças negras e 26% para crianças latinas, segundo dados do censo levantados pelo Centro de Dados Kids Count.
"A pobreza é frequentemente vista como um problema para os não-brancos, e isso também reduz a vontade de ajudar os outros", diz Rank.
"Existem estudos mostrando que em países mais homogêneos em termos de raça e etnia, existe uma rede de segurança mais robusta, porque as pessoas veem os outros como semelhantes — tendo maior probabilidade de querer ajudar."
Por outro lado, especialistas apontam para um fator econômico: a deterioração do mercado de trabalho americano para aqueles com salários mais baixos, que representam cerca de 40% do total e sofreram perdas em seus ganhos reais nas últimas décadas.
As razões vão do enfraquecimento dos sindicatos às transformações tecnológicas.
Assim, a desigualdade de renda e riqueza nos EUA aumentou e é maior do que em quase qualquer outro país desenvolvido, de acordo com o Council on Foreign Relations, um centro de pesquisas em Washington.
Christopher Wimer, codiretor do Centro de Pobreza e Política Social da Universidade de Columbia, argumenta que, nos EUA, "as oportunidades no mercado de trabalho tendem a ir para pessoas com formação superior e que se beneficiaram do crescimento econômico".
"E grande parte desse crescimento econômico não foi compartilhado nas faixas de renda ou escolaridade que vêm abaixo", contou à BBC News Mundo.
Mas houve sim, nas últimas décadas, alguns avanços sociais — como níveis mais altos de escolaridade e queda na mortalidade infantil.
Além disso, especialistas alertam que o cálculo do índice oficial de pobreza nos EUA se baseia apenas em renda, sem contar com auxílios do governo como créditos fiscais, cupons de alimentos ou assistência habitacional.
Um estudo recente de Wimer e outros pesquisadores de Columbia projetou que, sem ajuda emergencial aprovada na pandemia de coronavírus, a taxa de pobreza do país teria saltado de 12,5% antes da crise para 16,3%.
Mas esses benefícios, que incluem cheques semanais de US$ 600 a trabalhadores afetados pela pandemia, expiraram no final do mês. Sua continuidade depende de um acordo entre o Congresso e a Casa Branca.
Antes da covid-19, especialistas já alertavam que o país era condescendente com níveis muito altos de pobreza.
"Os Estados Unidos são um dos países mais ricos, poderosos e tecnologicamente inovadores do mundo. Mas nem sua riqueza, nem seu poder, nem sua tecnologia estão sendo usados para resolver a situação em que 40 milhões de pessoas continuam vivendo na pobreza", indicou no final de 2017 o então relator especial das Nações Unidas para a pobreza extrema e direitos humanos, Philip Alston.
Entre outras coisas, Alston observou que os EUA tinham a maior mortalidade infantil no mundo desenvolvido, que a expectativa de vida de seus cidadãos era menor e menos saudável do que em outras democracias ricas.
E também que sua pobreza e desigualdade estavam entre as piores no clube dos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além de uma taxa de encarceramento entre as mais altas do mundo.
"No fim das contas", afirmou ele, "particularmente em um país rico como os EUA, a persistência da pobreza extrema é uma escolha política feita pelos que estão no poder".
Luke Shaefer, diretor da iniciativa Poverty Solutions da Universidade de Michigan, defende políticas mais simples nos EUA e com uma abordagem mais universal.
Um estudo realizado por ele e outros especialistas da universidade indicou que os Estados Unidos investem US$ 278 bilhões (mais de R$ 1,4 trilhões) por ano em programas governamentais de combate à pobreza, sem contar os gastos com saúde.
Somando-se programas de saúde para os mais pobres, como o Medicaid, o investimento anual chega a US$ 857 bilhões (mais de R$ 4,4 trilhões), ou seja, mais do que o PIB da Argentina e do Chile somados.
"Muitos desses dólares não estão indo realmente para os mais pobres", alerta Shaefer.
As eleições presidenciais de novembro podem dar aos EUA uma nova oportunidade para repensar como melhorar esses gastos, acreditam aqueles que se dedicam ao tema há anos.
"Existem pessoas da esquerda e da direita falando que essa abordagem (atual) não está funcionando. Temos que fazer algumas coisas de maneira diferente, precisamos simplificar", diz ele.
"Tenho alguma esperança de que possamos progredir."
Primeiro, os EUA carecem de uma rede de assistência social forte ou programas de apoio à renda como outros países.
Os programas de assistência social que os Estados Unidos implementaram nas últimas décadas, como vale-alimentação ou seguro desemprego, permitiram reduzir em alguns pontos a pobreza, mas são considerados limitados.
Fatores culturais são geralmente lembrados para explicar isso.
"Nós tendemos a ver a pobreza nos EUA como um fracasso individual, ou seja, como se as pessoas não tivessem trabalhado duro o suficiente. Como se tivessem tomado decisões ruins ou não tivessem talento o suficiente. Assim, é algo como: cabe a você se erguer", afirma Rank.
"O resultado é que realmente não fazemos muito em termos de políticas sociais para tirar as pessoas da pobreza."
Somam-se a isso as desigualdades raciais: as minorias sofrem desproporcionalmente no país.
Enquanto 11% das crianças brancas nos EUA vivem na pobreza, essa taxa chega a 32% para crianças negras e 26% para crianças latinas, segundo dados do censo levantados pelo Centro de Dados Kids Count.
"A pobreza é frequentemente vista como um problema para os não-brancos, e isso também reduz a vontade de ajudar os outros", diz Rank.
"Existem estudos mostrando que em países mais homogêneos em termos de raça e etnia, existe uma rede de segurança mais robusta, porque as pessoas veem os outros como semelhantes — tendo maior probabilidade de querer ajudar."
Por outro lado, especialistas apontam para um fator econômico: a deterioração do mercado de trabalho americano para aqueles com salários mais baixos, que representam cerca de 40% do total e sofreram perdas em seus ganhos reais nas últimas décadas.
As razões vão do enfraquecimento dos sindicatos às transformações tecnológicas.
Assim, a desigualdade de renda e riqueza nos EUA aumentou e é maior do que em quase qualquer outro país desenvolvido, de acordo com o Council on Foreign Relations, um centro de pesquisas em Washington.
Christopher Wimer, codiretor do Centro de Pobreza e Política Social da Universidade de Columbia, argumenta que, nos EUA, "as oportunidades no mercado de trabalho tendem a ir para pessoas com formação superior e que se beneficiaram do crescimento econômico".
"E grande parte desse crescimento econômico não foi compartilhado nas faixas de renda ou escolaridade que vêm abaixo", contou à BBC News Mundo.
Mas houve sim, nas últimas décadas, alguns avanços sociais — como níveis mais altos de escolaridade e queda na mortalidade infantil.
Além disso, especialistas alertam que o cálculo do índice oficial de pobreza nos EUA se baseia apenas em renda, sem contar com auxílios do governo como créditos fiscais, cupons de alimentos ou assistência habitacional.
Um estudo recente de Wimer e outros pesquisadores de Columbia projetou que, sem ajuda emergencial aprovada na pandemia de coronavírus, a taxa de pobreza do país teria saltado de 12,5% antes da crise para 16,3%.
Mas esses benefícios, que incluem cheques semanais de US$ 600 a trabalhadores afetados pela pandemia, expiraram no final do mês. Sua continuidade depende de um acordo entre o Congresso e a Casa Branca.
Antes da covid-19, especialistas já alertavam que o país era condescendente com níveis muito altos de pobreza.
"Os Estados Unidos são um dos países mais ricos, poderosos e tecnologicamente inovadores do mundo. Mas nem sua riqueza, nem seu poder, nem sua tecnologia estão sendo usados para resolver a situação em que 40 milhões de pessoas continuam vivendo na pobreza", indicou no final de 2017 o então relator especial das Nações Unidas para a pobreza extrema e direitos humanos, Philip Alston.
Entre outras coisas, Alston observou que os EUA tinham a maior mortalidade infantil no mundo desenvolvido, que a expectativa de vida de seus cidadãos era menor e menos saudável do que em outras democracias ricas.
E também que sua pobreza e desigualdade estavam entre as piores no clube dos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), além de uma taxa de encarceramento entre as mais altas do mundo.
"No fim das contas", afirmou ele, "particularmente em um país rico como os EUA, a persistência da pobreza extrema é uma escolha política feita pelos que estão no poder".
Luke Shaefer, diretor da iniciativa Poverty Solutions da Universidade de Michigan, defende políticas mais simples nos EUA e com uma abordagem mais universal.
Um estudo realizado por ele e outros especialistas da universidade indicou que os Estados Unidos investem US$ 278 bilhões (mais de R$ 1,4 trilhões) por ano em programas governamentais de combate à pobreza, sem contar os gastos com saúde.
Somando-se programas de saúde para os mais pobres, como o Medicaid, o investimento anual chega a US$ 857 bilhões (mais de R$ 4,4 trilhões), ou seja, mais do que o PIB da Argentina e do Chile somados.
"Muitos desses dólares não estão indo realmente para os mais pobres", alerta Shaefer.
As eleições presidenciais de novembro podem dar aos EUA uma nova oportunidade para repensar como melhorar esses gastos, acreditam aqueles que se dedicam ao tema há anos.
"Existem pessoas da esquerda e da direita falando que essa abordagem (atual) não está funcionando. Temos que fazer algumas coisas de maneira diferente, precisamos simplificar", diz ele.
"Tenho alguma esperança de que possamos progredir."
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