domingo, 31 de maio de 2020

Hermenêutica da hemorroida

Como milhões de pessoas ao redor do globo, o discurso do senhor Jair Bolsonaro perante os seus ministros provocou em mim violenta comoção. Considero-o uma das mais extraordinárias peças de retórica jamais produzidas por um chefe de estado — sóbrio ou totalmente embriagado.

A bem dizer aquilo nem foi um discurso: foi um atentado. Jair Bolsonaro fez-se explodir, em meio a todas as excelências do seu governo, detonando com ele as convenções burguesas, a moral cristã e, de caminho, o sólido prestígio da instituição militar.

Bolsonaro é, afinal, um revolucionário anarquista infiltrado na ultradireita cristã. Não acredito que os partidos representantes da direita brasileira, as igrejas neopentecostais e o exército se recomponham alguma vez dos estragos causados pela explosão sacrificial do camarada Bolsonaro.

Ao institucionalizar a obscenidade, Bolsonaro corrompe a instituição, num genial gesto anarquista, que Proudhon, onde quer que esteja, deve estar aplaudindo de pé. A eficácia desta subversão revolucionária pode avaliar-se pela condescendência com que pastores e generais aceitaram o discurso de Bolsonaro, e pela tímida tentativa de alguns ministros ao tentarem acompanhá-lo na produção de palavrões, semeando o cupim da desordem nos instáveis alicerces da democracia burguesa. Bolsonaro, portanto, é o messias que os anarquistas radicais há tanto tempo aguardavam.

Contudo, o que mais me surpreendeu e vem inquietando é aquela misteriosa referência às hemorroidas: “O que os caras querem é a nossa hemorroida! É a nossa liberdade! Isso é uma verdade”, afirmou Bolsonaro, firme e enfático. Até hoje, ninguém havia ainda conseguido juntar numa mesma frase, com um mínimo de coerência, os conceitos de liberdade, verdade e hemorroidas.

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