sábado, 4 de janeiro de 2020

Paraísos imperfeitos

A paisagem era um anúncio publicitário para óculos de sol, relógios caros ou roupa de praia. O mar azul turquesa, liso como um espelho, parecia quase irreal. A ilha, ao fundo, com um rendado debrum de areia branca e uma alta coroa de palmeiras, destacava-se contra o azul metálico do céu. Então, o barco parou e nós mergulhamos. 

Praia em Moçambique
O fundo do mar era uma lixeira imensa. Nunca cheguei a perceber como todo aquele lixo chegara até ali, uma pequena ilha deserta, perdida entre as mais de 17.000 que constituem o vastíssimo arquipélago da Indonésia.

Levantando a cabeça eu via o paraíso, baixando os olhos via o inferno. Isso hoje já não me surpreende. Aprendi, com o passar dos anos, que todo o paraíso esconde um certo inferno. Para o encontrar temos apenas de baixar os olhos, de mergulhar, ou de escavar um pouco. Essa experiência fez-me desconfiar para sempre da expressão “paraíso perfeito”.

No primeiro dia deste ano voltei a lembrar-me da Indonésia, ao mergulhar numa das praias da Ilha de Moçambique, pequena cidade histórica, no norte do país, à qual muitas vezes os visitantes também se referem como um “paraíso perfeito”. Aquela paisagem belíssima esconde, sob a superfície lisa das águas, um descuido de décadas: todo o tipo de objeto de plástico, cacos de vidro, o triste lixo que a humanidade rejeita. 

Semana sim, semana não, lemos nos jornais notícias de mais uma baleia encontrada morta, com toneladas de plástico no estômago. Há cinco enormes ilhas de lixo, uma delas do tamanho de três minas gerais, flutuando nos oceanos Pacífico, Índico e Atlântico. Ainda estarão ali depois que a humanidade tiver desaparecido, se entretanto não formos capazes de criar micro-organismos capazes de digerir o plástico.

A boa notícia é que há cada vez mais países decididos a combater o plástico. A partir do próximo ano, a venda de produtos de plástico de utilização única será proibida em todo o território da União Europeia. Curiosamente, os africanos adiantaram-se aos europeus. Em 2008, Ruanda proibiu as sacolas de plástico. Outros países africanos, como Tanzânia, Uganda, Egito e Quênia, seguiram o exemplo dos ruandeses. No Quênia, quem insistir em fabricar e comercializar sacos de plástico arrisca-se a ser condenado a quatro anos de cadeia, além de ter de pagar pesadas multas.

As políticas proibicionistas só terão sucesso se os governos desses países investirem na criação de uma consciência ecológica. Em alguns casos, as sociedades civis adiantam-se aos governos. É assim em Moçambique, onde um jovem jurista, Carlos Serra Júnior, percorre as praias do país, mobilizando multidões, que se juntam para recolher detritos de plástico e outro lixo. Carlos Serra tenta convencer as pessoas dos benefícios econômicos e sociais resultantes da implementação de boas políticas de proteção do ambiente. Se algum dia for possível descrever a Ilha de Moçambique, com justiça, como um paraíso perfeito, será graças a heróis como ele.

Nenhum comentário:

Postar um comentário