quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Brasil, um país que os bandidos amam

Nos filmes estrangeiros, é líquido e certo: se o bandido tem de escapar da polícia para algum lugar onde ficará bem escondido e protegido, o destino final é o Rio de Janeiro. Os golpistas vividos por John Cleese e Jamie Lee Curtis em “Um peixe chamado Wanda”? Embarque para o Rio. O ladrão de banco vivido por Alec Guinness em “O mistério da torre”, do distante ano de 1951, conta sua história em flashback a partir de onde? Um restaurante no Rio. Os produtores teatrais picaretas de “Os produtores” querem meter o pé para onde? Rio de Janeiro, obviamente. Dá para fazer um livro só com esses e outros casos.

E não é só na ficção — afinal, poderia ser uma escolha de roteiristas, baseada numa percepção falsa. O caso mais notório de um fugitivo que se acoitou no Rio é o de Ronald Biggs, ladrão do trem postal inglês e fugitivo do Her Majesty's Prison Service. Biggs usufruiu da nossa hospitalidade carioca entre 1970 e 2001. Só não foi extraditado porque não havia tratados entre Brasil e Reino Unido a respeito.


Outro bandido de certa fama que se homiziou deste lado de cá da Linha do Equador foi Jesse James Hollywood. Traficante de drogas e homicida na Califórnia, viveu no Rio no início dos anos 2000. Mudou de nome, deu aulas de inglês e teve um filho. Acabou preso pela Interpol em 2005. Hoje, curte uma prisão perpétua em San Diego. Sem direito a condicional.

Como mostrou uma série de reportagens do Extra publicadas esta semana, aumentou em 26%, nos últimos dois anos o número de presos estrangeiros no sistema carcerário fluminense. Tem de tudo: traficante americano, golpista português, ladrão chileno, homicida alemão, soldado do tráfico argentino… Conhecendo-se a eficiência do nosso sistema de persecução criminal, dá para ter um vislumbre da quantidade de criminosos de outros países que escolheram o Rio para aproveitar a vida louca e, de quebra, delinquir um pouquinho.

Até bandidos de outros estados da federação vêm ao Rio fazer seu turismo criminal. Roubam aqui, traficam ali e, no fim de semana, aproveitam a praia.

Por que o Rio faz tanto sucesso entre bandidos de outras plagas? Não é o Rio, que já tem problemas para dar, vender e exportar. É o Brasil. A legislação brasileira é feita sob medida para deixar os criminosos felizes. Quer um exemplo?

Um bandido hipotético — americano, digamos — está por aqui, curtindo a vida adoidado. Ele cometeu, hipoteticamente, uns dez homicídios de criancinhas no Texas. É um serial killer, em suma. Esse hipotético bandido é preso para ser extraditado. Quem dá a ordem de extradição é o STF. Mas só dará essa ordem se o país estrangeiro se comprometer a não aplicar, lá, uma pena que o estrangeiro não poderia receber aqui. Sacou? Ou seja, nos Estados Unidos esse nosso hipotético serial killer receberia pena de morte, ou uma meia-dúzia de sentenças de prisão perpétua. Aqui, leva no máximo 30 anos de cadeiom progressão de regime e condicional, porque é um absurdo manter um criminoso preso pelo tempo da sentença que recebeu, certo?

Aqui temos a pseudo-cláusula pétrea contra a pena de morte — que é prevista em tempos de guerra, logo não é tão pétrea assim — não pode ter trabalho forçado, tem semiaberto com um sexto de cumprimento da pena, tem auxílio pecuniário para o detento, tem redução de pena por estudo, trabalho, leitura de livro…

Isso tudo, unido à patética taxa de resolução de crimes, à atávica demora da Justiça em julgar criminosos, à bovina complacência com que a sociedade encara a reincidência criminal, a ação de facções do tráfico, a absurda e imoral existência de “territórios do crime” dentro do território nacional, tudo isso somado, misturado e batido no liquidificador, vira um caldo amargo que está cada vez mais difícil de engolir.
Giampaolo Morgado Braga

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