quarta-feira, 20 de novembro de 2019

O erro é deles, a conta é nossa

O governo Bolsonaro foi alertado, mas desprezou os alertas. Mais do que isso, ameaçou e constrangeu os cientistas e os servidores dos órgãos de controle que avisaram sobre o aumento do desmatamento. Ontem, o dado anual do Prodes saiu e mostrou um enorme retrocesso: o Brasil desmatou quase 10 mil quilômetros quadrados em um ano. O erro é do presidente e do seu ministro do Meio Ambiente, mas o preço é pago por todos nós, porque é nosso o patrimônio que foi destruído.

As florestas das áreas de conservação, das terras públicas sem destinação, dos territórios indígenas pertencem aos brasileiros. O governo é apenas o síndico. E ele foi irresponsável quando estimulou por atos e palavras as invasões, atacou a credibilidade do Inpe, exonerou o diretor, foi se solidarizar com desmatadores e invasores, constrangeu funcionários do Ibama e ICMBio e paralisou o Fundo Amazônia. Esses sinais foram dados pelo presidente Bolsonaro ainda candidato e ficaram mais explícitos depois da eleição. O ministro escolhido por ele, Ricardo Salles, tem sido insistente no trabalho de desmonte dos órgãos do Ministério do Meio Ambiente.


O Brasil já teve anos de desmatamento maior. Mas o que funcionou foi unir os esforços de pessoas, órgãos e instituições que lutam pela proteção do patrimônio coletivo do bioma amazônico. Foi fundamental, tanto no surto de desmatamento de 1996, no governo Fernando Henrique, quanto no de 2004, no governo Lula, a qualidade da resposta da autoridade pública. FH elevou a área da reserva legal e fez a lei de crimes ambientais.

O governo Lula, coma então ministra Marina Silva, aperfeiçoou os sistemas de controle, pediu ao Inpe um sistema de alerta, o Deter, organizou coma Polícia Federal, o Ibama e depois também o ICMBio operações de repressão aos crimes ambientais, homologou áreas de conservação e criou o Serviço Florestal Brasileiro. O Ministério Público passou a acompanhar de forma ágil todos esses processos.

Quando o Estado foi desafiado, nesses dois casos citados acima, o governo reafirmou que a lei tem que ser cumprida. A resposta dada levou à queda da taxa anual de desmatamento. Dos absurdos 29 mil km2 em 1996, a destruição foi caindo nos anos seguintes até 13 mil em 1998. Voltou a subir e em 2004 atingiu 27 mil km2. A resposta vigorosa da então ministra Marina Silva e seus sucessores levaram ao número de 4,6 mil km2 no ano de 2012.

O governo Dilma deu sinais ambíguos. As grandes hidrelétricas da Amazônia e a redução dos limites de unidades de conservação foram estímulos ao desmatamento. No governo Temer também foi diminuída a área da Floresta de Jamanxim. A destruição anual voltou a crescer e em 2018 chegou a 7,5 mil km2.

O salto agora foi muito maior. Em relação ao ano anterior, pulou 29,5%, levando o número absoluto do desmatamento a 9,7 mil km2. Isso é uma área equivalente a mais de seis vezes o território da cidade de São Paulo, em apenas um ano.

O Brasil assumiu compromissos internacionais de atingir em 2020 a taxa de 3,3 mil km2. Essa meta o país espontaneamente ofereceu porque estava próxima de ser cumprida. E o maior beneficiado seria o próprio Brasil.

A insensatez do atual governo provocou um retrocesso civilizatório. O peso disso cai sobre todo o país, em mais ameaças de mudança climática, em piora da qualidade do ar, em destruição de riqueza coletiva, em riscos para o agronegócio brasileiro.

A ministra Teresa Cristina já disse que é contra a moratória da soja, e o governo dá todos os sinais de que vai atacar também esse instrumento que ajudou a conter o desmatamento. Trata-se de um acordo feito entre exportadores de soja e importadores de produtos brasileiros, com a participação do governo e de ONGs, pelo qual as empresas se comprometem a não comprar soja de área recentemente desmatada. Isso permitiu que o produto brasileiro — que tem concorrentes como a soja da Argentina e Estados Unidos — superasse barreiras que já estavam se formando.

A luta para conter o desmatamento foi resultado de uma longa e trabalhosa tessitura institucional. Os governos Dilma e Temer relaxaram e perderam parte desse esforço. O governo Bolsonaro fez um ataque frontal à proteção e deu o sinal de que o Estado estimula o avanço dos desmatadores. O peso desse desatino recai sobre todos nós.

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