sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Lições do abismo social

O IBGE calcula que, em 2018, o Brasil alcançou o recorde de 13,5 milhões de miseráveis, um número que vem crescendo desde 2015. É muito difícil explicar a atual complacência e tolerância da sociedade brasileira com o avanço do tripé das desigualdades sociais ao longo do último quinquênio: as desigualdades de renda, as desigualdades de riqueza e as desigualdades de oportunidades.

O índice que mede a desigualdade de renda no Brasil vem aumentando desde 2015 e atingiu o maior patamar desde o começo da série histórica, em 2012, segundo estudos da Fundação Getúlio Vargas. O Brasil, que tem uma das mais elevadas desigualdades de renda do mundo, está assistindo politicamente indiferente e eticamente neutro essa desigualdade se aprofundar no último lustro.


O quadro geral das desigualdades sociais no Brasil fica mais dramático quando se considera a distribuição da riqueza financeira e não financeira, obtida a partir de informações disponíveis nas declarações do Imposto de Renda. A riqueza financeira inclui os valores das poupanças, das aplicações financeiras etc., que rendem juros e dividendos sem trabalho atual. Já a riqueza não financeira das famílias e dos indivíduos inclui o patrimônio mobiliário. Somente possui esses ativos quem pôde acumulá-los no passado, o que ocorre a partir de certo patamar superior de renda.

Finalmente, para Amartya Sen, Prêmio Nobel de Economia em 1998, o desenvolvimento é um processo de criação de oportunidades para que as pessoas possam realizar os seus projetos de vida. Numa economia de baixo crescimento ou em recessão, como é o caso do Brasil desde 2014, o processo prevalecente tem sido o de destruição de oportunidades. Segundo o IBGE, a taxa de desemprego entre os jovens de 18 a 24 anos é de 26,6% (4,1 milhões de jovens), superior ao dobro da taxa geral.

Desse contexto, em que prevalecem taxas abissais no tripé das desigualdades, algumas lições podem ser apreendidas a partir das experiências de diversos países. As economias de mercado que apresentam melhor desempenho econômico sustentado são as que têm os melhores indicadores de igualdades sociais. Políticas econômicas que aumentam as desigualdades sociais resultam em menor crescimento econômico. As economias de mercado que possuem piores indicadores de desenvolvimento social sustentável são as economias com pior distribuição de renda e de riqueza, independentemente do seu nível de desenvolvimento.

Políticas públicas bem concebidas e implementadas têm a capacidade de reduzir sensivelmente o número de pobres e de miseráveis de um país ou de uma região. Economias de mercado que se envolveram em processos excessivos e dominantes de financeirização possuem seus níveis do tripé de desigualdades acentuados.

As economias capitalistas que progridem mais e melhor sempre realizaram uma inteligente combinação de mercado e governo, de tal forma que não se trata de mercado ou governo, mas de como combinar ambos para maior benefício da sociedade. Em 1776, Adam Smith dizia que nenhuma sociedade poderá certamente florescer e ser feliz se grande parte de seus membros for constituída de pobres e miseráveis. O nosso caso não é, pois, crescer para distribuir, mas crescer com distribuição e equidade para erradicar a pobreza absoluta e a miséria do Brasil. Mas, afinal, quem se importa?

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