terça-feira, 1 de outubro de 2019

A nova ofensiva dos generais de Bolsonaro pelo twitter

Em 1854 um jornalista irlandês foi enviado pelo Times para acompanhar as tropas britânicas em luta na Criméia. Foi pelas mãos do repórter William Howard Russell que a população inglesa tomou conhecimento dos horrores da guerra, dos mutilados perecendo sem ajuda ou lenitivo, da falta de ambulâncias e dos ataques frontais. Em pouco tempo, o Estado-Maior britânico percebeu que deixar jornalistas circulando livremente pelos campos de batalha não era boa ideia.

Na Primeira Guerra Mundial, a liberdade dos correspondentes de guerra seria reduzida pela censura e controle exercidos pelos beligerantes. Principalmente, após o fracasso da ofensiva em Gallipoli, quando tropas francesas e britânicas desembarcaram perto de Istambul na tentativa de pôr o Império Otomano fora de combate. Tudo noticiado pelos jornais. Na ofensiva seguinte, em 1º de julho de 1916, o comando inglês moveu seus homens pelo vale do Rio Somme, no norte da França, em meio à barragem das notas oficiais.

Milhares morreram no primeiro dia de combate em troca de poucos metros de terra. Foram obliterados pelas armas alemãs depois de ganharem o topo das trincheiras. Ao fim da tarde, a poeira do Somme se tornara Inglaterra como no versos de Rupert Brooke, prevendo sua morte um ano antes no mar Egeu, quando se dirigia a Gallipoli, para “enriquecer ainda mais a rica Inglaterra”.

Enquanto o primeiro dia do Somme custava aos britânicos 57.540 baixas, a imprensa inglesa informava nas manchetes o “grande avanço das tropas” do país. O público que lesse com atenção os jornais e revistas encontraria, porém, no fundo das publicações, as intermináveis listas com o custo de tal sucesso. Era a oportunidade para descobrir a verdade censurada pelos generais. Editada em Londres, seguindo o modelo da francesa L’Illustration, a revista The Sphere publicava seu roll of honour, com as fotos dos oficiais mortos e suas pequenas biografias. Ali estava uma informação inconveniente.

Cem anos depois, os generais do Planalto veem o bolsonarismo oscilar entre a busca da transparência de suas ações e as conveniências da velha política, entre a pacificação do País e o incentivo à polarização e o confronto. Alterna-se a escalada dos conflitos com o Congresso, o Supremo e a sociedade civil com a contemporização. Quem trata a política como continuação da guerra, procura aliados em vez de interlocutores. E terá inimizades em vez do respeito de quem compartilha com ele o destino da Nação.

O chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, é um dos guerreiros ideológicos do Planalto. Um colega seu, também general, diz que a convivência de Heleno com o radicalismo bolsonarista pode ser explicada pelo fato de ele acreditar ter a paternidade do atual governo.

Heleno abriu recentemente uma conta no Twitter. Resultado: de 52 publicações feitas pelo general, 14 (26,9%) atacam jornalistas e a imprensa. Nem um humorista, que lhe creditou uma frase inventada, escapou do revide. Era uma brincadeira, mas o humor do general não lhe permitiu entender a blague. Heleno desmentiu ter dito a frase como se o texto humorístico fosse reportagem.

Seu antigo colega de Planalto, o general Santos Cruz, distanciou-se do discurso que sugere que a imprensa seja uma força inimiga. Mesmo quando discorda do que os jornalistas publicam, Santos Cruz é mais comedido e civilizado na crítica.

Seu substituto, o general Luiz Eduardo Ramos, comporta-se de forma semelhante. Mas, no fim de semana, resolveu debutar como o mais novo ombudsman da imprensa brasileira. O ministro publicou dois tuítes sobre o chamado Gabinete do Ódio, o grupo de jovens assessores do presidente que se apoderou dos ouvidos do primeiro mandatário conforme o leitor viu aqui. Trata-se de turma audaciosa, que aconselha Bolsonaro a cortar cabelo em vez de receber o chanceler francês.

Ramos disse em sua rede social: “Tomei conhecimento sobre matérias divulgadas na imprensa sobre um suposto ‘Gabinete de Ódio’, subordinado ao PR, que estaria promovendo ataques contra ministros do Governo. Nada mais fantasioso! Conheço o trabalho sério desses assessores, com os quais mantenho excelente relação.”

E, depois, ainda completou com outro tuíte. Ei-lo: “Ninguém pode negar ou diminuir ou papel relevante que os jovens assessores tiveram na vitória do Pres BOLSONARO, e continuam tendo!! Parte da imprensa tenta atingir esses Guerreiros!! A eles o meu respeito, Tercio, Matheus DIniz e Matheus Gomes!! Prossigam na missão!”

Durante a 1.ª Guerra, a “voz anônima das ruas” fez Winston Churchill, então Lord do Almirantado, renunciar a seu cargo diante do fracasso em Gallipoli. Ninguém imaginou então culpar a imprensa pelo desastre militar na Turquia, com seus 50 mil mortos.

O bolsonarismo patina com a popularidade atolada em 30%. Suas facções e filhos se devoram em intrigas palacianas, enquanto os generais, a exemplo do chefe, lançam uma nova ofensiva contra a imprensa. Aos que desejam saber a verdade que Ramos e Heleno procuram preservar dos olhos de muitos, basta seguir o exemplo dos cidadãos britânicos. A leitura atenta dos jornais revela muito mais o que se passa no teatro de operações do Planalto do que o twitter dos generais.

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