sexta-feira, 13 de setembro de 2019

A Amazônia é do mundo

No dia de 10 setembro de 2019, prestei um depoimento sobre as queimadas na Amazônia ao Comitê de Assuntos Externos do Congresso americano. Em breve, o depoimento de sete páginas traduzido para o português estará disponível no site de ÉPOCA. Enquanto isso, achei que seria interessante para os leitores terem uma ideia de quão importante se tornou o tema da Amazônia para o mundo e para o Partido Democrata em especial.

Fui convidada por eles — pelos democratas —, mas também havia muitos republicanos interessados no tema. Comigo testemunharam mais duas pessoas: um renomado cientista ambiental e um ex-diplomata americano com passagens pela América Latina e especialista em conservação ambiental. Eu e o cientista havíamos sido convidados pelos democratas, enquanto o ex-diplomata fora chamado pelos republicanos. A audiência foi uma das primeiras desde que o Congresso retornou do recesso do verão, o que dá uma ideia da importância do assunto para os parlamentares aqui nos EUA. Antes de a audiência começar, conversei bastante com o convidado dos republicanos. Tivemos uma excelente troca de ideias sobre os desafios da economia e do meio ambiente e, sobretudo, as dificuldades de levar a alguns políticos e a uma parte da população o sentimento de urgência que hoje deveria tocar a todos. Vejam: eu era a convidada dos democratas, ele dos republicanos. Contudo, travamos uma conversa civilizada, com substância e argumentos fundamentados. Ao final, aprendi muito ao ouvi-lo e tenho certeza de que ele também aprendeu algo comigo — afinal, era eu a única brasileira presente. Digo isso para sublinhar a importância do diálogo, essa majestosa forma de interagir, que parece extinta no Brasil de hoje.

Em meu depoimento, tratei das queimadas como algo que é recorrente no Brasil. Falei sobre os esforços de governos passados para combater o desmatamento — muitos com grande sucesso. Esmiucei os argumentos para que as nuances ficassem explícitas: é simplório afirmar que o agronegócio é o grande culpado. E, sim, disse que, sob Bolsonaro e sua guerra ideológica contra o clima e o ambientalismo, muitos predadores passaram a se sentir confortáveis em depredar a Amazônia. Fala-se muito na Amazônia como o pulmão do planeta, o que é um erro e um exagero. A Amazônia é, como me disse uma ex-ministra do Meio Ambiente, uma bomba de carbono. Se destruída, haverá de liberar bilhões de toneladas de carbono na atmosfera, além de alterar por completo o ciclo hidrológico do Brasil e de boa parte do Cone Sul. O agronegócio brasileiro bem sabe disso — não à toa, tem feito pressão sobre o governo Bolsonaro para que interrompa o desmonte das regulações e das agências ambientais, como o Ibama e o Inpe.

Propus diversas vias de colaboração possíveis entre o governo dos Estados Unidos e o governo brasileiro. Uma delas trata do Fundo Amazônia — hoje em uma espécie de limbo devido às atitudes de Bolsonaro. Há imensa oportunidade para aumentar o fundo diversificando suas fontes de recursos para empréstimos diversos, inclusive para os chamados pagamentos de serviços ambientais, matéria que ainda precisa ser regularizada no Brasil. Falei também sobre o uso das terras indígenas — nossa Constituição prevê a utilização econômica sustentável dessas terras, mas nós ainda não sabemos fazê-lo. Os EUA, com sua larga experiência em regularizar esse tipo de atividade nas terras de povos indígenas, pode nos ajudar imensamente a desenvolver esse potencial. Há muito o que fazer na área de cooperação técnica, para além do financiamento. Ressaltei que as possibilidades existem, que a pesquisa científica sobre o que funciona e o que não funciona é vasta, que o Brasil deveria ser o laboratório do mundo em matéria de desenvolvimento sustentável. Como bem me disse outra ex-ministra, no século XXI, ecologia e economia são simbióticas.
“Não é possível pensar em crescimento econômico sem considerar o impacto ambiental. Não é possível pensar em meio ambiente sem tratar das questões de desenvolvimento sustentável”
As perguntas dos parlamentares demonstraram grande interesse no tema, além de um surpreendente conhecimento. Discutiram-se mercados de carbono, pagamentos por serviços ambientais, crédito agrícola condicionado ao cumprimento de normas ambientais e redução de desmatamento, como fez a Resolução 3.545 do Conselho Monetário Nacional em 2008. A sensação ao terminar a audiência de mais de uma hora foi que passamos muita informação e que o interesse do Congresso americano sobre o tema é imenso.

A Amazônia corre perigo. Mas o mundo, e os EUA em particular, estão de olhos grudados no que se passa, apesar de Trump e Bolsonaro. Eles passarão, a floresta passarinho.
Monica de Bolle

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