sexta-feira, 21 de junho de 2019

O choro de um adulto que escreveu seu nome

Nada nem ninguém me emocionou mais nesta semana do que o pedreiro Carlos Leôncio. Ele tentou esconder o choro com braços e mãos, enquanto contava sorrindo à GloboNews sua conquista. “Há dois meses, na sala de informática, eu li e escrevi meu nome pela primeira vez na tela do computador. Cheguei em casa e quase não consegui dormir. De verdade. Juro por Deus. É maravilhoso, né?”

Carlos Leôncio é meu herói. Até me fez esquecer a ginástica frenética de flexões, flexibilizações e frituras de Bolsonaro, o soldado de Jesus que tem uma obsessão entre tantas: armas para todos. Passei batido pelo batom roxo da Marta, que no fim das contas era uma propaganda, mas fiquei de queixo caído com o salário de Tite, R$ 1,2 milhão por mês! O “professor” da Seleção ganha 345 vezes o salário de um professor de educação básica no Brasil.


O pedreiro que aprendeu a ler e escrever seu nome resgata o melhor de mim. Eu poderia me concentrar no escárnio de governos de esquerda e direita no Brasil, que insistem em desprezar a Educação. Poderia me deprimir porque 11,2 milhões de brasileiros não sabem ler nem escrever. São analfabetos. Fora os trabalhadores que se comunicam no WhatsApp apenas por áudio, porque escrevem errado e se envergonham. Fora o ministro da Educação que não sabe conjugar o verbo haver. Fora os políticos que maltratam nosso idioma. Fora os analfabetos funcionais que não conseguem interpretar um texto. Mas existe Carlos Leôncio.

O mesmo programa da GloboNews mostrou crianças em pé no porta-malas de um carro de passeio, indo para a escola no Tocantins. Com os ônibus escolares enguiçados e abandonados, o transporte foi improvisado no carro superlotado, sem cinto de segurança, corcoveando nos buracos. “A gente chega em casa com o corpo dolorido, mas vale a pena para conseguir vencer na vida”, disse uma estudante adolescente. A prefeitura de Natividade, a 270 km de Palmas, contratou o motorista, mas agora o afastou. E as aulas das crianças? E a preocupante evasão no ensino médio? E nosso lugar vexaminoso no ranking mundial?

Há exatos 10 anos, em 2009, escrevi. “Na próxima década, quem sabe o Brasil poderá finalmente descobrir qual deve ser o maior investimento do Estado. Como reduzir a violência e melhorar a segurança? Educação. Como diminuir a pobreza, a fome e a desigualdade? Educação. Como melhorar a saúde? Educação. Como aumentar a taxa de emprego? Educação. Começa quando a criança nasce. Não dá para esperar até 4 ou 6 anos. A carência emocional e intelectual na primeira infância é meio caminho perdido”.

Dez anos depois, saímos da esquerda para a direita e a Educação continua fora das prioridades. As ações mais incisivas do governo Bolsonaro e seus ministros nessa área são folclóricas, irrelevantes, nocivas. Bloqueio inicial de R$ 7,4 bilhões no orçamento da educação pública. Hinos no recreio. Slogans nacionalistas. Atestado ideológico de professores. Intervenção moral e cívica nas questões do Enem e nos livros sobre a ditadura. Estímulo a ensino religioso e domiciliar, o tal homeschooling.

A terceirização de deveres constitucionais do Estado, como educação e segurança, choca mais que o salário do Tite. O Brasil tem 11 milhões de jovens que não estudam nem trabalham. Carlos Leôncio, vi e revi seu depoimento. Inspirador. É maravilhoso, sim, ler e escrever. Os jovens precisam de livros, de computadores, de oportunidades, não de armas. Só o conhecimento liberta e salva.

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