terça-feira, 2 de abril de 2019

A tragédia social dos homicídios

O estado do Rio de Janeiro teve, no primeiro bimestre deste ano, o menor número de homicídios dolosos desde o início da série histórica, em 1991. Não que seja um índice para se aplaudir em cena aberta: foram 705 homicídios, uma média de um assassinato a cada duas horas. Mas é uma queda relevante. Em 1991, o mesmo bimestre teve 1.389 mortes; é uma queda de mais ou menos 50% em 28 anos. Nesse ritmo, o estado chegará a padrões civilizados de homicídios lá pela década de 2070.

Mas quando e onde se morre mais? E qual é o perfil da vítima de homicídio? Algumas ferramentas permitem responder a essas perguntas.

Os dados deste ano podem ser vistos no sistema de visual
ização de dados do Instituto de Segurança Pública (ISP). Mata-se mais no fim da noite, entre 22 horas e meia-noite, e o panorama fica pior no fim de semana. Nos primeiros dois meses deste ano, as regiões com mais mortes foram a Baixada Fluminense e o interior do estado. Na cidade do Rio, os homicídios despencaram quase 51% na comparação com o mesmo bimestre de 2018.


O perfil da vítima pode ser analisado nos microdados fornecidos pelo ISP. Analisando-se os dados de quatro anos de mortes (2015 a 2018), é possível tirar algumas conclusões. Há mais homicídios, realmente, nos fins de semana, com predomínio do sábado. A maior quantidade de homicídios acontece de noite, seguida pela madrugada; à tarde é quando menos se mata.

Homens são mortos com maior frequência do que mulheres, numa proporção de 11 para um. Pardos e negros são mais assassinados que brancos, numa proporção de três para um. Quando a profissão da vítima é identificada, desempregados estão em primeiro lugar, seguidos por estudantes, desocupados e pedreiros. Em cerca de um quarto dos casos, não há relação entre vítima e autor. Quando existe, companheiros (ou companheiras), vizinhos, amigos e irmãos são os principais responsáveis pelo crime. Quanto à idade, estão em primeiro lugar, com folga, os jovens de 18 a 24 anos.

Homens, jovens, pardos ou negros, desempregados ou desocupados. Quando se sabe que os principais autores de homicídios, analisados em grupo, são o tráfico e a milícia, esse perfil não chega a surpreender. E não estão entrando na análise as mortes em confronto com a polícia, que acentuariam ainda mais essas características.

Em quatro anos, mais de 7 mil adolescentes e jovens até 24 anos foram mortos no Rio. Se incluirmos os adultos até 30 anos — ou seja, pessoas no início de sua idade produtiva — temos mais de 10 mil mortos entre 2015 e 2018. E apenas no Rio de Janeiro. Espalhe essa tragédia pelo país, em maior ou menor grau, e pelos últimos 20, 30 anos, e é possível vislumbrar o tamanho da desgraça humana, econômica, social e previdenciária que despencou sobre o Brasil com o peso de uma bigorna. Segundo dados do Ipea , entre 1996 e 2016, quase 574 mil jovens entre 15 e 29 anos foram mortos no país. Só 46 municípios, dos 5.570 do país, têm mais de meio milhão de habitantes.

Os jovens mortos dessa estatística não eram criminosos que trocaram tiros com a polícia. São vítimas. Meninos e meninas, rapazes e garotas cujo espectro quase infinito de possibilidades virou um monolito de certezas, todas negativas. Não terão filhos. Não trabalharão. Não vão casar nem comprar uma casa, nem carro, nem nada. Não pagarão impostos. Não envelhecerão. Somos uma sociedade que está assassinando seu futuro.

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