sexta-feira, 8 de março de 2019

Militares viraram a tecla SAP de Jair Bolsonaro

As manifestações de Jair Bolsonaro instilam na alma do brasileiro uma sensação insuportável de exílio, uma brutal nostalgia do Brasil. Todos sabiam que o presidente da República não fala as línguas de Dante, Goethe e Shakespeare. Mas ninguém imaginava que estivesse desaprendendo a de Camões. Expressa-se num idioma muito parecido com o português, uma espécie de bolsonarês Para compreendê-lo, tornou-se imperioso esperar pela "tradução" dos militares.

No original, Bolsonaro virou um outro nome para controvérsia. Ele vai de uma polêmica a outra sem a concessão de um entreato para que a plateia tome fôlego. Com naturalidade hedionda, pula do "golden shower" para a democracia relativa, que "só existe quando as Forças Armadas assim o querem". Não há nota oficial ou esclarecimento capaz de acompanhar a fecunda loquacidade do capitão.



A nota do porta-voz da Presidência, general Rêgo Barros, sobre o apreço de Bolsonaro pelo Carnaval mal conseguira sedar o noticiário da véspera e o chefe do GSI, general Augusto Heleno, já teve de levar a cara às redes sociais para traduzir um Bolsonaro que estava ao seu lado. O presidente perguntou se Heleno enxergara alguma polêmica em suas declarações sobre democracia.

E o general: "É claro que não. Isso não tem nada de polêmico, ao contrário. Suas palavras foram ditas de improviso, para uma tropa qualificada, e foram colocadas exatamente para aqueles que amam a sua pátria, aqueles que vivem diariamente o problema da manutenção da democracia e da liberdade, e exortando para que [os militares] continuem a fazer o papel que vêm fazendo, de serem os guardiões da democracia e da liberdade".

Numa transmissão ao vivo na página de Bolsonaro no Facebook, Heleno culpou a imprensa pela eletrificação do noticiário. "Tentaram distorcer isso como se [a garantia da democracia] fosse um presente das Forças Armadas para os civis. Não é nada disso."

Mais cedo, outro general, o vice-presidente Hamilton Mourão, também atribuíra os ruídos à incapacidade dos jornalistas de compreender o bolsonarês. "Está sendo mal interpretado. Ele falou que onde as Forças Armadas não estão comprometidas com democracia e liberdade esses valores morrem. É o que acontece na Venezuela. Lá, as Forças Armadas venezuelanas rasgaram isso aí."

Quando você assiste a um filme pela televisão, pode escolher entre ouvir o som dublado ou apertar a tecla SAP, para escutar a fala dos atores no original —normalmente em língua inglesa. No enredo estrelado por Bolsonaro, os militares viraram uma espécie de tecla SAP do presidente da República. Vale o que eles dizem na dublagem, não o que se ouve no original. Com dois meses de governo, o que Bolsonaro balbucia já não se escreve.

No seu "Diário Intemporal", Mário da Silva Brito atribui a Monteiro Lobato a seguinte frase: "A pátria é o idioma, e só no idioma pátrio a gente pode pensar bem e dizer besteira."

Pode-se dizer em bolsonarês as mesmas besteiras que seriam ditas em português. A diferença é que, na pátria em que os brasileiros estão momentaneamente exilados, Bolsonaro pensa mal. Frequentemente, ele envereda pela trilha do eufemismo. Cospe cacófatos em série. Abraça qualquer substantivo promíscuo que enxerga pela frente. Não consegue livrar-se das mordidas dos anacolutos. E desespera-se ao notar que chega sempre ao mesmo lugar-comum. Até os tradutores militares estão achando tudo muito monótono.

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