terça-feira, 27 de novembro de 2018

Irresponsabilidade salarial marca a gestão Temer

Michel Temer encerra o seu mandato-tampão exatamente como começou, sob o signo da irresponsabilidade salarial. Há dois anos e meio, autorizou seus apoiadores no Congresso a aprovar um pacote de reajustes que engordou os contracheques de 38 carreiras do funcionalismo. A apenas 35 dias de voltar para casa, avalizou um aumento de 16,38% para os ministros do STF. Algo que descerá em cascata pelo organograma do Estado, engordando as folhas da União e dos Estados. Nos dois casos, a generosidade de Temer se confunde com a temeridade, pois as contas públicas estão em petição de miséria.

Suprema ironia: o aumento sancionado agora por Temer constou do cardápio de um jantar que o presidente ofereceu a senadores do PSDB em 17 de agosto de 2016. Os tucanos foram à presença de Temer justamente para avisar que Eunício Oliveira, então líder do MDB, recolhia assinaturas no Senado com o propósito de impor o regime de urgência na votação do projeto que aumentaria os vencimentos do Supremo de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil. A duras penas, desarmou-se a bomba.


Decorridos dois anos e três meses, o mesmo Eunício Oliveira, agora presidente do Senado, transferiu o projeto sobre o tônico salarial do STF do freezer para a pauta de votações. Aprovado a toque de caixa, foi para a mesa de Temer há 13 dias. E o presidente concluiu que seria uma boa ideia jogar o artefato fiscal radioativo que se encontrava desativado desde 2016 no colo do sucessor Jair Bolsonaro.

O senador Ricardo Ferraço era um dos tucanos presentes ao jantar oferecido por Temer em 2016. Ele foi ao repasto porque exercia na época a atribuição de relator do pedido de aumento do Supremo. Realçou à mesa um detalhe que Temer não ignorava: os contracheques dos magistrados da Suprema Corte regem a folha salarial de todo o funcionalismo, pois representam o teto remuneratório do serviço público. Quando sobem, puxam junto os vencimentos do Judiciário e dos demais Poderes.

Ferraço expôs suas contas para Temer. Estimou que o aumento do Supremo abriria uma porteira pela qual passariam gastos adicionais de R$ 5 bilhões. A cifra continua válida. As estimativas feitas hoje variam entre R$ 4 bilhões e R$ 6 bilhões. Em 2016, Temer havia concordado com as ponderações. Hoje, na iminência de deixar o trono, livrou-se das preocupações fiscais.

Dois meses antes de jantar com os tucanos, Temer havia escancarado os cofres da União para as corporações. O governo acabara de arrancar do Congresso uma autorização para fechar suas contas naquele ano com um rombo de R$ 170,5 bilhões. E o presidente, em franca contradição com a realidade, autorizou seus apoiadores no Legislativo a aprovar um pacote bilionário de reajustes salariais a servidores.

Num surto corporativo que manteve as fornalhas do plenário da Câmara acesas até as 2h47 da madrugada do dia 2 de junho de 2016, os deputados aprovaram 14 projetos de lei. Juntos, somavam 370 páginas. Continham bondades destinadas a 38 carreiras do Estado, inclusive o STF. Tudo foi decidido a toque de caixa, em votações simbólicas. Os deputados apenas levantavam e abaixaram a mão para mostrar que a turma do “sim” era majoritária.

Horas antes de se render ao funcionalismo na Câmara, uma comitiva de tucanos liderada pelo deputado baiano Antonio Imbassahy, então líder do PSDB, encontrara-se com Henrique Meirelles, que respondia pelo Ministério da Fazenda. Indagado a respeito da farra salarial, cujo custo o próprio governo estimara em R$ 58 bilhões até 2019, o então czar da economia atribuíra a atmosfera de liberou-geral ao Planalto. Alegou que Temer não teve pulso para brecar reajustes que haviam sido negociados por Dilma antes do impeachment.

Diante da atmosfera de fato consumado, apenas um deputado tucano se animou a escalar a tribuna da Câmara para discursar contra os reajustes: Nelson Marchezan Júnior, hoje prefeito de Porto Alegre. Ele declarou na ocasião:

“Dizem aqui que não posso ser mais realista que o rei. Se o governo encaminha tudo isso, devemos votar a favor. Quero lembrar que acabamos de depor uma rainha porque ela administrou as contas públicas contrariamente ao interesse popular. Tiramos na expectativa de que o novo governo administraria para o interesse popular.”

Marchezan Júnior arrematou: “Espero que esse novo rei mude sua forma de reinar, para que ele não siga no mesmo caminho da rainha deposta. Espero também que as operações da Lava Jato, anunciadas para os próximos dias, não tenham nenhuma relação com esse açodamento de votar esse rombo de algumas centenas de bilhões de reais.”

O tempo passou. A Lava Jato empurrou para dentro da biografia de Temer duas denúncias criminais e dois inquéritos por corrupção. Sergio Moro está na bica de transplantar para o Ministério da Justiça os métodos da força-tarefa de Curitiba. Ao descer a rampa do Planalto, em 1º de janeiro, o ex-novo rei passará a conviver com o receio de receber a visita matutina dos rapazes da Polícia Federal. Foi contra esse pano de fundo que Temer liberou o reajuste do STF. Que Bolsonaro pagará com o déficit público.

Para complicar, o Congresso desistiu de analisar uma medida provisória de Temer que adiaria para 2020 a parcela do reajuste salarial de 372 mil servidores públicos referente a 2019. Coisa de R$ 4,7 bilhões. É parte daquele pacotaço aprovado em 2016. Conforme já noticiado aqui, os congressistas concluíram que o aumento dado ao STF tornou sem nexo o arrocho que seria imposto aos demais servidores.

Fechando o círculo da irresponsabilidade fiscal, Temer revelou-se um presidente eficientíssimo. Ele mesmo concede reajustes a descoberto, ele mesmo sugere o adiamento de parte do desembolso, ele mesmo libera os novos reajustes que servirão de pretexto para sepultar a postergação dos aumentos anteriores. Tudo isso num instante em que há 12 milhões de brasileiros no olho da rua e R$ 139 bilhões de rombo no Orçamento da União para 2019.

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