sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Não merecemos nossos tesouros

O arqueólogo egípcio Zahi Hawass é uma figura polêmica. É histriônico e carismático, veste-se como todo mundo espera que um arqueólogo sério se vista desde os filmes do Indiana Jones — e, de quebra, aproveita para vender a sua linha de produtos online. Faz programas maravilhosos de TV que despertam o interesse de crianças e adolescentes pela sua profissão, mas é detestado pelos jovens arqueólogos do seu país. Organizou exposições extraordinárias que viajaram o mundo atraindo público recorde e atenção da mídia para os tesouros do Egito, mas já esteve preso num imbróglio mal explicado que misturava corrupção, desvio de antiguidades e o governo de Hosni Mubarak.

Anteontem, ele deu uma entrevista à BBC chamando o Brasil às falas: países que não têm competência para cuidar do passado que está em seus museus deveriam devolvê-lo aos seus países de origem. Zahi Hawass tem toda a razão, exceto por um detalhe: em certos casos, os países de origem também não sabem cuidar do seu patrimônio. Durante a Primavera Árabe, alguns museus egípcios foram saqueados e vandalizados, entre eles o famoso Museu Egípcio do Cairo.

Ele pede, por exemplo, a devolução do busto de Nefertiti, que está em Berlim. Mas esse busto está em destaque absoluto numa sala esplêndida no Neues Museum, onde tudo indica a sua importância; um exemplo perfeito de como exibir, com a devida reverência e segurança, uma obra única. É praticamente um estudo de contrastes com o acervo do Museu do Cairo, um amontoado de maravilhas onde faltam detalhes triviais como etiquetas para explicar o que estamos vendo.

A discussão sobre a repatriação de bens culturais é tudo menos simples. Pela lógica, itens roubados deveriam ser restituídos a seus países de origem; mas, em muitos casos, esses bens talvez nem tivessem sido descobertos sem o esforço dos que os roubaram, ou talvez se tivessem perdido, ou desviado para coleções particulares. Os grandes museus do mundo talvez sejam os melhores guardiões de um passado comum da Humanidade; mas, por outro lado, é justo espalhar a herança cultural de um povo? É melhor ver uma escultura da Mesopotâmia no Museu do Louvre, ou chorar a sua destruição no Museu Nacional do Iraque? Pode-se discutir isso indefinidamente, como aliás se tem discutido, sem chegar a conclusão nenhuma.

Já fui radicalmente a favor da devolução dos bens roubados, de qualquer lugar para o outro qualquer lugar de onde tenham sido levados; já me enchi de raiva encontrando certas peças em museus e, ao contrário, vendo sítios históricos sem as suas colunas, estátuas, painéis.

Hoje, porém — depois do assassinato dos Budas de Bamiyan pelo Talibã, depois da destruição deliberada das antiguidades sírias pelo ISIS, depois do incêndio do nosso museu — , tenho mais dúvidas do que certezas.

O que eu sei é que teria preferido mil vezes que os tesouros do Museu Nacional nos tivessem sido roubados a vê-los consumidos por um descaso tão criminoso. Se nem uma universidade — uma universidade! — consegue valorizar o patrimônio cultural de um país, este país não merece o patrimônio que tem. Nem o seu próprio, nem o de mais ninguém.

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