domingo, 26 de agosto de 2018

O fundo do inferno

Há um ano, quando se discutiam as normas da eleição, agora em curso, escrevi nesta coluna opiniões que soavam como profecias. Creio que acertei quase tudo.

As regras em vigor agora foram inspiradas pela pedra lascada, aprovadas pelo Congresso em seu favor, permitindo que aqui, em Minas, uma candidatura de um forte candidato, autorizado por seu partido a empreender uma longa campanha de quase dois anos, fosse incinerada por uma decisão exarada pela cúpula do próprio partido.

Marcio Lacerda é a vítima mais injustiçada do Brasil contemporâneo. No momento em que adquiriu consistência, com o apoio de oito partidos, dispostos a fugir em Minas da alternância de PSDB e PT, que deu na falência do Estado, foi tirado do páreo, justamente por se mostrar como ameaça à velha política, aquela dos mensalões e petrolão. Ser uma alternativa foi o bastante para ser expulso.

Em seguida, Jaime Martins, recém-filiado ao PROS na tentativa de fugir de um apoio de seu antigo partido, PSD, ao PSDB, teve o mesmo fim. Mesmo autorizado abertamente a conduzir os interesses “majoritários” da legenda em Minas, no exato momento de herdar a coligação de Lacerda, teve o ilustre Eurípides, presidente de seu partido, surgindo da sombra e vetando sua candidatura. O que ganhou?

Nesse jogo de mata-mata, quem morreu foi a liberdade, tão cara ao eleitor mineiro.

Parece que o motivo do PROS seria não atrapalhar um desconhecido candidato a deputado federal que poderia perder possibilidade de se eleger com 45 mil votos, meta minimalista projetada pelo presidente do PROS. Dá para acreditar?! Difícil, mas oficiosamente o candidato a governador Jaime Martins, com apoio de oito partidos e 50% do tempo de propaganda, dificultaria uma maior participação no bilionário Fundo Partidário, regido pelos votos de deputado federal!

O episódio faz enxergar nos porões das regras a possível locupletação de figuras incrustadas nos nanicos, no baixo clero, que nada faz sem ter algo a faturar. Estamos revivendo em versão moderna o mercado de escravos do século XVIII na orla do porto de Paraty. Foge ao eleitor que um deputado federal eleito rende ao partido verbas de fundos de R$ 13/14 milhões em quatro anos.


Vivemos há décadas a tirania de partidos “ad delinquerem”, sem qualquer pudor
Entre o “aparentemente inexplicável” absurdo, ocorre que um grande partido com fundo de R$ 500 milhões possa comprar 15 segundos de propaganda de um partidinho. As verbas são repassadas à conta da legenda “comprada”, e daí pela rota de notas frias até chegar ao bolso dos donos do nanico montado para enriquecimento de uma fauna de predadores.

Ainda, com os fartos recursos tirados dos contribuintes, se fornece verba para microcandidatos de “dobradinha”. Veja-se em Betim, com seus 260 mil eleitores, foram registradas 51 candidaturas a deputado federal e estadual. Como? Distribuindo para quase todos de R$ 10 mil até R$ 200 mil para serem kamicazes que transfiram alguns valiosos votos para os donos de partidos.

Falta dinheiro para saúde, mas sobra para os eleitos garantirem essa pouca-vergonha.

O efeito direto é a distorção abrupta dos rumos da democracia, e mais o crescimento de uma nova forma de surrupiar os cofres públicos. Constituem-se, como sempre, privilégios, castas e esquemas de assaltos aos bens do país. Perpetua-se nesse ambiente sórdido a corrupção dos picaretas, ora cúmplices na tentativa de aniquilar as cinzas da decência no Brasil.

Provavelmente, se chegará à conclusão de que esta eleição, antidemocrática, construída nos bastidores da velha política, deverá ser considerada a mais suja da fase republicana. Evidencia-se que não vem para garantir um futuro de prosperidade. Acentua cinicamente os erros do passado e castiga o Brasil ao fundo do inferno.

Chamei, em agosto de 2017, a atenção para a necessidade de candidaturas avulsas, expressão máxima da liberdade e da democracia, adotadas como antídoto aos mecanismos políticos nos países mais civilizados. Possibilitariam escantear quem abomina figuras de valor universal e oxigenar o poder. Mas o Congresso preferiu manter o sistema de acorrentados ao interesse dos corruptos. Os partidos são birutas que se enchem no sentido da corrupção e, por isso, precisam centralizar o controle do assalto ao país.

As regras são tão podres, restritivas de um lado e escancaradas de outro, que será nesta eleição a vez de o PCC montar sua bancada, de traficantes possivelmente disfarçados de religiosos de Estados carimbados pela pobreza. Lá o voto é mais fácil.

A catástrofe produzida pelo Congresso estava entre as profecias de 12 meses atrás, quando defendi a via do distritão misto, as candidaturas avulsas e a abolição do financiamento público, instalando-se, assim, limitações e tetos austeros aos gastos de propaganda. A velha política atribui-se uma montanha de recursos públicos para fazer a diferença.

Vivemos há décadas a tirania de partidos “ad delinquerem”, sem qualquer pudor. Apesar de o público não conseguir enxergar a perversidade do fundo partidário eleitoral – alguns bilhões subtraídos da saúde e educação do povo –, contam-se já as vítimas do “mecanismo” criminoso.

Excluindo-se ou limitando-se outras fontes de financiamento e aumentando a dos políticos atuais, gerou-se uma reserva de mercado eleitoral. Figuras de porão, marcadas por um passado desabonador, e outras, vivendo um presente que acumula carga explosiva, entraram em cena nos últimos dias usando as regras sombrias aprovadas um ano atrás, quando esta coluna alertava:

É preciso retirar poder dos caciques e coronéis dos maiores partidos que atuam para matar as propostas de abandalhar as eleições e que mantêm o país como o mais corrupto do planeta.

Fosse o distritão misto apenas para se livrar dos caciques bandidos, ou diminuir sua força, sobrariam vantagens para a nação.

Figuras que chafurdam nas regras obscenas teriam perdas significativas em sua capacidade destrutiva.

O sufrágio se alinharia à vontade popular sem canalizar a manada para o curral. Os eleitos teriam o peso e a legitimidade dos votos recolhidos e não seriam peças nas prateleiras de um dono “mensaleiro” de partido, como Valdemar da Costa Neto, o mais inflamado inimigo do distritão. Voltaria a embaralhar as cartas marcadas de um jogo perdido pelos eleitores. Cartas viciadas para trapacear. Seriam serrados, ainda, os saltos de nanicos que traficam na politicagem como demolidores.

Não permitiria que se chegasse ao Legislativo pela esperteza e capacidade de aglutinar um conjunto de candidatos que, somados, garantem o passaporte de um desqualificado.

Teremos mais dois sofridos meses de enjoo, suor e sofrimento para saber se o Brasil sobreviverá à velha política que o transformou num horror.

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