quarta-feira, 6 de junho de 2018

Do auxílio-moradia à fisioterapia

Numa iniciativa que dá a medida exata do grau da desconsideração que o Poder Judiciário tem para com os contribuintes, num momento em que a União enfrenta grandes dificuldades financeiras para prestar serviços públicos com um mínimo de qualidade, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) acaba de publicar edital que prevê gastos de até R$ 102,6 mil para aquisição de material de “reabilitação fisioterápica” para seus servidores.

A Corte é o braço do Poder Judiciário com menor demanda de serviços e conta com 879 funcionários que – a exemplo dos servidores dos demais tribunais do País – estão entre os mais bem pagos da administração pública. Ao justificar a aquisição desses equipamentos, a Corte alegou que eles são usados para evitar afastamentos de servidores “por motivos de tratamento relacionados ao sistema musculoesquelético”. Entre os 41 itens da lista de compra, destacam-se um redemoinho para utilização em braços e pernas, esteiras ergométricas, máquina de gelo em cubo com revestimento de aço e bicicleta. O edital também prevê a aquisição de um aparelho de ultrassom terapêutico e de uma caixa de som portátil com conexão bluetooth e exige que todos os equipamentos sejam novos. O TSE alega que, para a saúde de seus ministros e servidores, não convém a utilização de equipamentos médico-hospitalares recondicionados.


Todo esse material irá compor uma “seção de atenção fisioterapêutica” que foi criada há três semanas pelo presidente da Corte, ministro Luiz Fux, com o objetivo de marcar sua curta gestão à frente do TSE. Seu mandato começou em 6 de fevereiro deste ano e terminará no dia 15 de agosto. Fux se tornou conhecido há quatro anos, quando acolheu uma reivindicação de associações de juízes e autorizou – por meio de uma liminar até hoje não julgada pelo Supremo Tribunal Federal – o pagamento de auxílio-moradia para todos os magistrados brasileiros, inclusive os que têm casa própria na cidade em que atuam.

Juntamente com as dezenas de penduricalhos pagos a magistrados e servidores a título de verba remuneratória, as seções de fisioterapia custeadas pelos contribuintes fazem parte do cotidiano dos suntuosos palácios da Justiça brasilienses projetados por Oscar Niemeyer – quase todos com instalações majestosas para ministros, mobiliário luxuoso, pórticos, área de lazer, cozinhas e copas. Só no Supremo Tribunal Federal, onde há três consultórios de atendimento fisioterápico abertos das 13 às 19 horas, trabalham quatro profissionais com remuneração média de R$ 16.957,90 por mês. Além disso, a mais alta Corte do País gasta mensalmente R$ 31,9 mil com a manutenção dos equipamentos. Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que é a mais alta Corte da Justiça Federal, há seis consultórios nos quais trabalham cinco fisioterapeutas concursados. Alguns Tribunais Regionais Federais também dispõem do mesmo serviço.

No caso do TSE, cuja construção foi estimada em R$ 89 milhões na época do lançamento do projeto arquitetônico, em 2007, e acabou tendo um custo total superior a R$ 400 milhões ao final da obra, em 2011, os gastos de dinheiro público com atendimento fisioterapêutico de seus magistrados e servidores são ainda mais extravagantes. Isto porque a Corte é integrada por apenas sete ministros efetivos – dos quais três pertencem ao STF e dois ao STJ – e tem uma demanda de trabalho sazonal. Ela atua basicamente nos períodos eleitorais, a cada dois anos.

A verdade é que nada justifica o uso de dinheiro dos contribuintes para a criação de uma “seção de atenção fisioterapêutica” no TSE. Além de servir a uma minoria de privilegiados, o que é imoral, sua instalação é um irresponsável desvio de função de uma corte judicial, que reafirma uma tradição de gestão perdulária do Poder Judiciário que não dá sinais de ser abandonada. Em vez de gastar recursos escassos com privilégios, a Justiça melhoraria muito sua imagem se concentrasse seus gastos em obras e serviços prioritários, dispensando a quem depende de seus serviços o tratamento digno e eficiente a que tem direito.

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