quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Mãos limpas, Lava Jato e a natureza da corrupção

Eis como o ex-procurador italiano Gherardo Colombo resumiu o resultado da Operação Mãos Limpas, oito anos depois do início: “Do ponto de vista jurídico, a Mãos Limpas foi inútil, ou pior ainda, nociva: o fracasso quase total em garantir condenações reforçou a sensação de impunidade que reinava na Itália antes de 1992”. De lá para cá, nada mudou. “A Itália pode ser vista como um modelo fracassado dos mecanismos institucionais ordinários no combate à corrupção numa democracia”, escreveu o cientista político Alberto Vanucci, da Universidade de Pisa. Inspirada na Mãos Limpas, a Operação Lava Jato tem seguido o roteiro italiano à risca. Até mesmo nos ataques sofridos, não apenas dos políticos atingidos, mas de advogados, juristas, juízes e na própria imprensa. “Ha muita semelhança entre os dois países, inclusive a esperança de um modelo de política livre da corrupção institucionalizada”, escreve o procurador Rodrigo Chemim em Mãos Limpas e Lava Jato. “A diferença é que os italianos perceberam que muito pouco mudou na realidade corrupta da política do país. E no Brasil? O que se pode esperar?”

Charge do dia 13/09/2017

Chemim faz uma análise comparativa excepcional das duas operações. Com a sensibilidade de quem conhece de perto Brasil e Itália, vai além das semelhanças e diferenças óbvias. Todos já sabem que ambas se beneficiaram de colaborações premiadas, prisões preventivas e exposição dos escândalos. Ou que a influência da Máfia e a presença de uma figura singular como Silvio Berlusconi fazem da Itália um caso sem paralelo. Mas poucos prestaram atenção a outras características comuns, mais que coincidências: a origem em casos aparentemente banais, os métodos usados para lavar dinheiro, as falcatruas com petrolíferas e obras da Copa do Mundo, os ataques atribuindo motivações políticas a juízes e procuradores, a polarização em torno dos principais nomes (aqui, o juiz Sergio Moro; lá, o procurador Antonio Di Pietro), as justificativas idênticas dos acusados para o uso de caixa dois (“todos fazem”), as acusações de “criminalização da política”, de atuação em nome de interesses estrangeiros ou de “golpismo” – e, sobretudo, a reação contra as investigações.

Apesar das ameaças, até agora não houve por aqui a violência da Máfia, nem os suicídios (ou homicídios) em série, que voltaram a opinião pública italiana contra a Mãos Limpas. Em termos políticos, porém, a semelhança é absoluta. Parlamentares brasileiros hoje estudam a fundo a legislação aprovada nos anos seguintes à Mãos Limpas, responsável por tornar a Itália um paraíso ainda maior para os corruptos. Por enquanto, não prosperaram as tentativas de anistia para caixa dois ou de criar entraves ao trabalho de juízes, policiais e procuradores. Mas não estão paradas. Chemim elenca 23 medidas legislativas italianas em prol dos corruptos – algumas com nomes sugestivos: “decreto salva-ladrões”, “escudo fiscal”, “lei salva-corruptos” e uma anistia conhecida como “alegria no cárcere”. Poucas foram rejeitadas ou julgadas inconstitucionais. “Sanções políticas contra os envolvidos em escândalos de corrupção, tradicionalmente já bem moderadas, tornaram-se virtualmente inexistentes”, escreveu Vanucci. “A probabilidade de agentes corruptos terem sucesso em suas transações aumentou. E, se a corrupção é mais segura, há um incentivo maior a praticá-la.”

Chemim recomenda prestar atenção ao Congresso, onde políticos agem de modo sorrateiro. “O perigo aumenta à medida que a poeira baixa, e aí aumenta o risco de o Brasil seguir a mesma sina da Itália”, diz. “Compreender o que aconteceu lá é, portanto, fundamental para que não se repita aqui.” É justamente nessa compreensão que sua análise deixa a desejar. A corrupção sistêmica, como a brasileira ou italiana, tem natureza dupla, cultural e econômica. Chemim enfatiza o lado cultural: a escolha individual dos corruptos, sua estrutura moral, psíquica, até mesmo religiosa. Mas a mente dos indivíduos é uma esfera distante da ação do Estado. Transformações no campo econômico e institucional, ao contrário, estão na raiz do sucesso de países que conseguiram derrotar a corrupção, como os Estados Unidos no início do século XX. Menos estatais, mais competição, licitações transparentes e instituições mais fortes são a chave para combater o capitalismo de compadrio, no Brasil, na Itália ou em qualquer país. A corrupção sistêmica derivada dele não é um defeito moral ou uma doença, mas um sintoma natural da sociedade, diante de incentivos econômicos perversos. Para combatê-la, é preciso, portanto, mudar os incentivos. Primeiro, como sugere Colombo, acabar com a sensação de impunidade, dar às instituições o poder real de fiscalizar, investigar e punir. Segundo, criar leis que respeitem a realidade econômica. Do contrário, a realidade é que se imporá sem respeitá-las.

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