Charles Darwin, D. Pedro II, Martin Luther King e Valesca Popozuda possuem um elo improvável no meio da Cinelândia: a Câmara Municipal. Os quatro ganharam homenagens da Casa na atual legislatura. Darwin e Luther King agora têm dias comemorativos no calendário oficial do Rio. Em 2013, o aniversário de 188 anos do imperador foi celebrado em sessão solene. E a funkeira recebeu a maior condecoração da cidade: a Medalha Pedro Ernesto.
Embora sem impacto na vida dos cariocas, homenagens assim são prerrogativas dos vereadores. O problema é quando elas ocupam espaço demais nas agendas de quem foi eleito para fiscalizar o Executivo e legislar. Propostas sem relevância marcaram a atuação de boa parte dos vereadores cariocas nos últimos quatro anos. Trinta e três deles — de um total de 51 — conseguiram se reeleger. Mas o que fizeram para merecer um novo mandato?
Para saber a resposta, O GLOBO analisou todas as 30.177 proposições dos 33 reeleitos, disponibilizadas no site da Câmara, e constatou que 67% delas (20.316 no total) não fariam falta. A análise seguiu critérios da ONG Transparência Brasil, que, ao avaliar a produtividade do Congresso Nacional, considera “homenagens, batismo de logradouros, simbologia, cidades-irmãs, pedidos de convocação de sessões solenes para comemorações e homenagens, datas comemorativas e criação de honrarias” como propostas “sem relevância”.
Conceder medalhas é uma das atividades prediletas dos vereadores. A Pedro Ernesto já foi dada para cerca de 5 mil pessoas desde sua criação, em 1980. A atual legislatura responde por 13% desse total, com 660 homenageados. Além de Popozuda, estão entre os laureados o cantor Thiaguinho, o pastor Silas Malafaia e o ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab.
Neta do ex-prefeito Pedro Ernesto, a psicanalista Maria Helena Mossé defende que haja mais rigor na concessão de medalhas. Segundo ela, a iniciativa acabou virando uma forma de autopromoção e bajulação política.
— A família não concorda com essa entrega indiscriminada. Tentamos até acabar com a concessão da medalha, que foi entregue a muitas pessoas que não a mereciam — criticou.
“O bom pastor dá sua vida pelas ovelhas. É um homem que, às vezes, tem que agir como super-homem. Um líder que, às vezes, tem que agir como servo. Um servo que, às vezes, tem que agir como líder”.
Procurado, Mendes não deu entrevista, mas sua assessoria de imprensa disse que “o vereador conhece muita gente e instituições que fizeram um trabalho social importante”, daí o número tão alto de moções. Ela citou projetos de lei de autoria do vereador, como o que regulamentou as Academias da Terceira Idade e também o sistema de alarmes contra desastres naturais em áreas de risco, aprovado na legislatura anterior, em 2012.
Homenagens a religiosos se proliferam na Casa. Vereadora também pelo PRB, Tânia Bastos concedeu título honorário para Eduardo Benedito Lopes, então líder do partido no Senado e presidente da legenda no Rio. Trinta de suas moções foram destinadas a missionários “evangelizadores”, sendo que muitos deles sequer atuam na capital, mas em missões em Petrópolis, Macaé e Nova Iguaçu.
Outro exemplo é o vereador Eliseu Kessler, do PSD, que, entre seus projetos, apresentou um pedido de criação do Dia do Músico Evangélico. Ele também propôs a Semana da Carioquice Masculina e a Semana da Carioquice Feminina. O político defendeu ainda a cessão de um selo de utilidade pública para uma igreja pentecostal em Bangu e concedeu moções de louvor e aplausos a dez pastores.
Caçula da família Bolsonaro, Carlos, vereador mais votado do Rio, com o apoio de 106.657 eleitores, propôs, em sua legislatura anterior, em 2011, a criação do Dia do Orgulho Heterossexual. Abandonou a proposta, mas outros três vereadores reavivaram o projeto no ano passado. Jimmy Pereira (PRTB), Eliseu Kessler (PSD) e Alexandre Isquierdo (DEM) ainda tentam aprovar o texto, que segue em tramitação na Câmara.
Com o melhor desempenho pelos critérios da Transparência Brasil, Vera Lins (PP) preferiu não dar entrevista. Disse, por meio de sua assessoria de imprensa, que encontra-se em um momento delicado, já que acompanha a mãe em um tratamento de câncer. Também destacou que o resultado do levantamento “soa como um incentivo”.
Paulo Pinheiro (PSOL), que teve o sétimo melhor desempenho entre os parlamentares, afirmou, por sua vez, que “o principal problema desta legislatura é o poder do Executivo sobre a Câmara”. O vereador demorou quase cinco anos para colocar em votação uma lei de transparência na saúde que obriga as dez Organizações Sociais que administram unidades médicas na cidade a publicarem seus contratos na internet.
— Lamento que a Câmara tenha sido sequestrada pelo Executivo — afirmou.
A quantidade de integrantes do Executivo homenageados pelos vereadores da base do governo é razoável. Os secretários Rafael Picciani, que era da pasta de Transportes e hoje está na Coordenação de Governo; Helena Bomeny, de Educação; Daniel Soranz, de Saúde; Jorge Arraes, de Concessões e Parcerias Público-Privadas; o presidente da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Porto, Alberto Gomes, e também subsecretários foram agraciados com medalhas e títulos.
Apesar de o país e, principalmente, o estado terem afundado em uma crise financeira de forma progressiva desde 2013, os membros da Câmara viveram anos de intensa prosperidade econômica. Em média, os 33 vereadores reeleitos para a próxima legislatura dobraram seus patrimônios. Somando-se os bens de todos eles, saíram de um montante de R$ 15.474.840, declarados à Justiça Eleitoral em 2012, para R$ 31.424.681, um aumento acumulado de 103% — mais do que qualquer rendimento de aplicação financeira no mesmo período.
Os bons ventos, por outro lado, não foram sinal de muito trabalho para parte dos políticos, reeleitos ou não: nesses mesmos quatro anos, 67 sessões ordinárias foram canceladas por falta de quórum, entre um total de 408 previstas — uma média de 16% de sessões canceladas. Neste ano eleitoral, porém, as cadeiras vazias foram companheiras fiéis dos vereadores que decidiram aparecer no plenário: em mais de 31% das sessões de 2016, nada foi votado por falta de políticos presentes. O quórum mínimo para que uma sessão comece é de sete vereadores. Segundo dados da Câmara, cada vereador faltou, em média, a 22 sessões no decorrer do mandato.
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