Os mais conservadores podem tirar o pangaré do aguaceiro. Não adianta reclamar: para o bem ou para o mal, o palavrão morreu. Pode continuar existindo em outras línguas, em outros cantos do mundo. Mas, no português falado no Brasil, o bicho está extinto.
Há uns bons dez anos escrevi um artigo dizendo exatamente isso. E ainda hoje ouço alguma conversa sobre o tema, agora geralmente provocada por grampos em que nossos políticos profissionais se revelam de forma um pouco mais verdadeira, como bandidos ou candidatos a bandidos.
Escrevi meu antigo artigo por causa de duas cenas que ainda hoje não esqueci, ambas ocorridas no mesmo dia. A primeira: descendo o elevador de um prédio burguês, vi uma jovem senhora, bem vestida, se dirigir ao filhote na pré-puberdade, dizendo tranquilamente: “para de me pentelhar, menino”. Me deu vontade de lembrar a ela que o verbo “pentelhar” vem de pentelho, os célebres pelos púbicos ou pubianos que Modigliani adorava pintar. E como seriam os dela, para proibir que o menino mexesse com eles?
Mais tarde, minha sobrinha Mariana, com seus 12 ou 13 anos de idade, me contou que a professora estava “de sacanagem” com ela. Sugeri, então, uma outra sacanagem, para que ela desse o troco. E Mariana, com a carinha mais angelical do mundo: “Qual é, meu tio, o senhor quer que eu me foda?” Confesso que estranhei um pouco, na frase, o uso da palavra “senhor”.
Há quem não se importe com o fim do palavrão. O filósofo Herbert Marcuse, por exemplo, denunciava seu alto teor repressivo. De fato, regra quase geral, o palavrão expressa preconceito. Xingar alguém de “filho da puta”, por exemplo, é preconceituoso. Mandar alguém “tomar no cu” é manifestar desprezo, recusa ou repulsa pela sexualidade anal, seja ela heterossexual ou homoerótica.
Há também quem lamente o fim do palavrão, no rastro de Nelson Rodrigues. Nelson achava que o palavrão portava alta carga energética, importantíssima para a nossa vida emocional. E dizia que, sem fortes chuvas de palavrões sobre os marujos, Vasco da Gama não teria conseguido comandá-los no caminho das Índias.
Mas, no caso de nossos políticos profissionais, estamos muito longe dessa grandiosidade, desse uso épico do palavrão. Quando vejo todos eles de mãozinhas dadas, suprapartidariamente, contra a Lava Jato, a legenda que me ocorre para a foto é “quem tem cu, tem medo”. Nenhum palavrão concorre com a baixeza que impera nesse meio. E o pior é que é a gente que paga pra que essa turma roube.
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