sexta-feira, 15 de abril de 2016

Que tempos, que tempos

Durante um bom tempo fui contra o impeachment. A despeito das amplas demonstrações de inaptidão gerencial e irresponsabilidade social verificadas ao longo da sua carreira pública e do seu primeiro mandato, Dilma foi reeleita; se a maioria dos eleitores acreditou no país de fábula apresentado pela sua propaganda eleitoral, e ficou contente com o resultado da sua escolha, paciência. Elegeram, aguentem: votos têm consequências.

Mudei de ideia no dia em que ela chamou Lula para a Casa Civil. O convite foi uma bofetada na cara de todos os brasileiros que haviam ido às ruas contra o governo, e uma óbvia tentativa de obstrução à Justiça, ratificada pelo telefonema gravado pela PF e, sobretudo, pela edição extraordinária do Diário Oficial. Mas foi também um ato carregado de simbolismo: ali, diante de todos os brasileiros, Dilma abriu mão da presidência para se portar como a militante partidária subserviente que, afinal, nunca deixou de ser.

Hoje, porém, depois de ver a militância nas ruas e aqueles democratas que se julgam mais democratas do que todos os democratas juntos em palanque, justificando o injustificável, fiquei em dúvida. Não em relação à legalidade do impeachment, que para mim é bastante clara, mas em relação à sua conveniência.


Se Dilma for impedida, a militância e os democratas mais democratas do que todos os democratas juntos vão continuar gritando “Golpe!” até o fim dos tempos, e vão alegar que o país foi para o brejo não por causa da sua (dela) evidente incompetência, mas por causa da incompetência de quem quer que venha a sucedê-la. E como, na melhor das hipóteses, tudo ainda vai piorar muito antes de melhorar, e como o marketing do PT é tão bom quanto a memória das gentes é curta, corremos o sério risco de chegar a 2018 com os tempos de Dilma reempacotados e relembrados como anos de grande prosperidade e desenvolvimento.

Fico pensando se o desastre que estamos vivendo, e que tem a assinatura do PT e de sua “presidenta”, não deveria ficar na conta de um e de outra. Para que oferecer-lhes a saída honrosa de uma outra narrativa? Para que voltem em triunfo nas próximas eleições, como heróis perseguidos e incompreendidos?

Ao mesmo tempo, também é verdade que não há maneira de Dilma e do PT pagarem a sua conta sem que todos nós paguemos junto. E é aí que sou de fato mordida pela dúvida, porque, por tudo o que sei, por tudo o que tenho lido, visto e ouvido, o país não aguenta esse desgoverno por mais 991 dias.
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Palavras têm poder. Os marqueteiros do governo sabem disso: tratam “impeachment”, tão comprida e difícil de pronunciar, por “golpe”, que é curta, simples e direta; trocam “crimes” por “malfeitos”, que os dicionários sequer reconhecem nessa acepção, e que no máximo lembra travessuras de crianças no parquinho.

Chamar as fraudes fiscais do governo de “pedaladas” é um desserviço à compreensão do que, exatamente, se está discutindo no processo de impeachment. Pedalar é um verbo sonoro e simpático, ligado a um estilo de vida saudável; pedalar é o que a presidente faz nas manhãs de Brasília. O que ela fez com o orçamento deveria ter outro nome.
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José Eduardo Cardozo tentou defender as pedaladas de Dilma com uma analogia facinha, mas, para variar, completamente equivocada. Ele propôs que as pessoas imaginassem uma estrada cujo limite de velocidade fosse subitamente modificado de 80 km/h para 60 km/h, mas onde os motoristas fossem multados retroativamente por ter ultrapassado o novo limite.

Meu amigo Mentor Neto, que ficou indignado com o pouco caso que o AGU faz da inteligência alheia, ofereceu-lhe, pela internet, uma analogia parecida, mas mais de acordo com os fatos:

“Imagine que o limite de velocidade de uma estrada era de 80 km/h. Como o policiamento era insuficiente, durante décadas os motoristas trafegaram a 85 km/h, 90 km/h e alguns até a 100 km/h, e nunca foram multados. Ninguém mudou o limite de velocidade da estrada, mas uma motorista imprudente decidiu acelerar para 200 km/h. Quando chegou a seu destino, seus amigos comemoraram o fato dela ter cruzado a estrada em tão pouco tempo e nem se preocuparam com o excesso de velocidade, já que ninguém multava mesmo. Na semana seguinte, a motorista maluca cruzou a estrada a 250 km/h. Como era uma péssima piloto, o carro capotou. Bateu de frente com um ônibus escolar, explodiu, derreteu o asfalto, escangalhou os guard rails. O estrago foi tão grande que a estrada teve que ser interditada por meses. A Polícia Rodoviária chegou, assistiu aos vídeos das câmeras de segurança. Chocada com a irresponsabilidade da motorista, cassou a sua carteira, ainda que ela alegasse não ter culpa de nada”.
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Outro amigo, Ricardo Rangel, também mandou um bom recado:

“Queridos petistas, pecedobistas, psolistas e demais solipsistas defensores da democracia. A democracia pressupõe que todo mundo tem o direito de achar o que quiser sem ser chamado de trapaceiro pelos outros.

É infantil e antidemocrático chamar os outros de golpistas. Parem com isso. Troço chato, sô.”

Cora Rónai

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