Solidário, pegou a maior empresa de papai e despedaçou-a para enriquecer a família e os amigos. O filho do Brasil não pensa só em si. Seus filhos — os netos do Brasil — enriqueceram também. E seu compadre, seu advogado, sua amante, seu churrasqueiro, seus amigos de fé, seus correligionários, enfim, todo mundo se deu bem, porque o patrimônio de papai era colossal. Mas, e os brasileiros? Ora, esses são filhos da outra. Todo mundo sabe que o Brasil só teve um filho.
O espelho nunca o deixou na mão, e deu-lhe a resposta definitiva: “Companheiro, manda eles enfiarem esses processos no custo da OAS”. O filho do Brasil obedeceu, dando só uma abreviada na sentença.
Mas a elite que não suporta ver o sucesso de um pobre — o menino Jesus passou pelo mesmíssimo problema — continuou a persegui-lo furiosamente. O filho do Brasil voltou para diante do espelho e perguntou-lhe se poderia haver algum fundamento nas acusações de que ele tinha enriquecido ilicitamente. O espelho nem entrou nesse mérito de legalidade, que é muito relativo, e foi categórico: “Companheiro, pode ficar tranquilo: você é um miserável. Um sujeito que vive toda uma vida se fazendo de vítima para conquistar mesada de empreiteira e terminar com uns pedalinhos personalizados é o quê? Um miserável. Relaxa.”
Mesmo vivendo nessa flagrante e proverbial miséria, o filho do Brasil continuou sendo acossado pela implacável brigada neoliberal. Essa gente sem coração resolveu implicar com a escolha de uma mulher sapiens para gerir o patrimônio da família — e com as sutis manobras dela para melar a Lava-Jato (operação que não reconhece o filho do Brasil como legítimo dono da Petrobras, do BNDES, do suor do contribuinte, enfim, dessa fabulosa fortuna acumulada por papai).
O pobre homem voltou a consultar o espelho, que respondeu: “Companheiro, não enche o saco. Já te disse que você é o messias. Vai consultar o pessoal da MPB.”
Sempre obediente ao espelho, o filho do Brasil foi perguntar a um seleto grupo de cantores, atores, jornalistas e intelectuais do bem se tinha problema ele ter regido o mensalão e o petrolão; se tinha algo errado no fato de ele ter tomado posse do patrimônio do Brasil, na condição de único herdeiro, e distribuído generosamente essa riqueza entre seus familiares e amigos.
Foi o melhor conselho que o pobre homem poderia ter pedido. O tal grupo de intelectuais e artistas (uma panela, muito mais barulhenta do que essas que a elite branca bate na varanda) não só lhe disse que estava tudo cristalinamente certo, como chamou para briga os brasileiros — esses filhos da outra que querem meter a mão no que não é deles. A panela já avisou: mexeu com o filho do Brasil, mexeu com o conto de fadas que nos sustenta.
Depois de desafiar as elites reacionárias e se pintar para guerra, a panela progressista se trancou sozinha no banheiro e perguntou aflita: “Espelho, espelho meu: se eu perder a moleza de bancar o herói social na garupa do filho do Brasil, que infelizmente foi descoberto pela polícia, o que será de mim?” O espelho respondeu sem rodeios: “Perdeu, playboy. Pega tudo que você investiu nessa demagogia vagabunda e enfia no custo da Odebrecht”.
O mais revoltante é que agora esse bando de filhos da outra está ameaçando sair às ruas. Quem os brasileiros pensam que são? Donos do país? No mínimo, vão querer estatizar o patrimônio do filho do Brasil, conquistado com tanto sacrifício — investimento suado em propaganda enganosa da melhor qualidade, manutenção impecável da rede de pixulecos (por dentro e por fora, em criteriosa alternância), reposição ágil do pessoal de tesouraria e marketing apanhado pela polícia, formação do maior caixa partidário do mundo.
Você não vai permitir que essa história bonita seja destruída por um bando de invejosos. Fique quieto em casa. Não fale a palavra impeachment nem ao seu cachorro. Deixe a companheira presidenta, enteada do Brasil, governar em paz o STF. Não atrapalhe essa rede democrática de destruição de provas, com o padrinho à solta oferecendo mesada a criminoso. E essa história de crise é balela — a renda nunca foi tão elevada para os trabalhadores que não trabalham: é tudo uma questão de escolher um bom partido, que indique com segurança onde tem truta.
Fique fora das ruas. A não ser que você tenha descoberto que o filho do Brasil é um filho da truta.
Guilherme Fiuza
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