Em Brasília, um incêndio consumiu quase três mil hectares na Floresta Nacional, uma preciosa e bela unidade de conservação do Cerrado.O fogo que se alastra pelo Brasil é deliberado. Há 85 inquéritos abertos na Polícia Federal, mas pouco se sabe das motivações e dos criminosos. Quem esteve em Brasília sofreu nos olhos, no nariz, no pulmão, na garganta o peso da fumaça dos crimes ambientais que atingiram as reservas. Elas são oásis em pontos estratégicos de uma cidade que precisa desesperadamente de água e árvores.
Os três mil Guarani Kaiowá, da terra indígena Nhanderu Marangatu, vivem uma história que é a cara do Brasil, nos seus piores momentos. A terra já foi demarcada. Foi homologada por um decreto presidencial de 2005, mas o então ministro Nelson Jobim concedeu aos fazendeiros uma liminar, num mandado de segurança, suspendendo os efeitos do decreto, mas não o decreto em si. Vinte anos não bastaram para que o STF decidisse. Recentemente a Fazenda Barra, que se sobrepõe a um pedaço da terra indígena, entrou com uma ação em Ponta Porã e o juiz determinou que a Polícia Militar fizesse a segurança da propriedade. PM fazendo segurança privada. O pior é como essa ordem está sendo cumprida, explica a defensora pública Daniele Osório.
– Antônio João é uma pequena cidade na fronteira do Brasil com o Paraguai, a 400 quilômetros de Campo Grande. Deslocaram na semana passada um efetivo enorme, com ônibus, caminhão, com tropa de choque. Pagando diária para policial, alimentação, hospedagem, gasolina para as viaturas. É muito fora do comum. Eles cercaram a Fazenda Barra e todas as vias de acesso à fazenda. Qual é o problema? As estradas vicinais são onde os indígenas circulam ao andarem entre as aldeias — diz a defensora pública.
A Comissão Arns estava lá, em Antônio João, no dia 13. Na verdade, integrava uma missão, da qual participava também Dom Leonardo Steiner, presidente do Conselho Indigenista Missionário, que estava indo acudir outra crise dos Guarani Kaiowá, na TI Panambi, em Douradina. Tiveram que mudar a rota ao saber daquele primeiro ataque com feridos na TI Nhanderu Marangatu. Viajaram com a proteção de duas viaturas da Força Nacional. A antropóloga Manuela Carneiro da Cunha conta o que viu:
– Estava armado um cenário de guerra. Dom Leonardo trocou a sua vestimenta pelos paramentos de cardeal. E assistimos a indignação e a revolta dos Kaiowá pelo que tinha acontecido na véspera. A mulher que tivera seu joelho destroçado estava, no hospital, sendo operada para a amputação da perna. Havia uma enorme revolta. Quando nós estávamos lá estabeleceu-se uma barragem de viaturas da Polícia Militar na frente, assim, a uns 50 metros das últimas pessoas que estavam ali reunidas. E, quando estávamos saindo da área, estava chegando mais meia dúzia de viaturas da Polícia Militar, e também da polícia científica e de bombeiros para cercar o outro lado. Ou seja, para cercar os indígenas — descreve a antropóloga.
A morte de Neri Kaiowá, 23 anos, pai de um bebê de 11 meses, aconteceu no dia 18, na semana seguinte a esse conflito. Três partidos, PL, Republicanos e Progressistas, entraram com uma ação junto ao ministro Gilmar Mendes alegando que a Força Nacional e a Polícia Federal “não atuam de maneira adequada para garantir a prevenção de crimes”. No caso, eles alegam crime de “esbulho possessório” por parte dos indígenas. E por isso querem que tanto em Mato Grosso do Sul, quanto no Paraná, só possam agir as forças estaduais, a Polícia Militar e a Polícia Civil. A advogada da ação que levou a PM para dentro da Terra Nhanderu Marangatu é filha dos donos da Fazenda Barra. Ela também, por coincidência, trabalha como assessora da Casa Civil do governo do Estado. E assim vai o Brasil. Como ele sempre foi.
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