Sintomaticamente, Jonathan Swift, no século XVIII, alertava já que “uma mentira voa, enquanto a verdade vem a coxear atrás dela”. Mas, do mesmo modo que é errado olhar para a forma como a difusão de falsidades se traduz em violência como uma novidade histórica, é também equívoco desvalorizar a originalidade como isso acontece nos nossos dias.
Recordo isto depois de esta semana, no Reino Unido, um jovem de 17 anos ter assassinado três crianças — e ferido outras oito com gravidade — e ainda dois adultos, num ataque com uma faca durante uma aula de dança dedicada a Taylor Swift. A polícia britânica divulgou pouca informação sobre o ataque bárbaro, até porque o acusado é ele próprio menor. Entretanto, sempre foi assegurando que o crime não estava a ser investigado como ataque terrorista, e o The Guardian escreveu que terá sido motivado por perturbações mentais, enquanto a BBC avançou que o suspeito não tinha ligações a movimentos islâmicos radicais.
De pouco valeu esta informação de duas fontes credíveis ou os apelos dos familiares das vítimas para que o luto fosse respeitado. Nas redes sociais, em particular no X, figuras proeminentes da extrema-direita britânica logo se apressaram a sugerir que o atacante tinha chegado de barco ao Reino Unido e que aguardava resposta a um pedido de asilo. As palavras tiveram consequências: primeiro em Southport, depois por todo o Reino Unido um conjunto de motins levou à detenção de mais de cem pessoas, com 50 polícias feridos.
É natural que uma tragédia como a de Southport gere revolta, mas como é que se passa da justa indignação com a barbárie para motins de pendor racista? A resposta está num ecossistema sociopolítico disponível para acreditar em falsidades e na existência de mecanismos rápidos para a sua propagação.
São complexos os motivos pelos quais a ansiedade económica se transformou também em ódio face ao outro e, em particular, num poderoso movimento de islamofobia. A ambição securitária de regresso a sociedades culturalmente homogéneas (um passado mitificado que nunca existiu) é, hoje, uma alavanca política poderosa. Dir-me-ão, sempre foi: o racismo e a xenofobia estiveram na génese da maior barbaridade do século XX, o Holocausto. É um facto. Mas não secundarizemos o que é novo.
Ao contrário do passado, a inexistência de um movimento social organizado não impede a mobilização política. Pelo contrário, a fragmentação política até se revela vantajosa, pois acaba por se transformar em convergência na ação. Acima de tudo, as redes sociais transformaram a validade da centenária asserção de Jonathan Swift. Em particular o X, agora detido pelo entusiasta do trumpismo Elon Musk, funciona com cada vez menos regulação e promove um ciclo imparável: primeiro, contas anónimas difundem uma falsidade, que logo é amplificada por figuras proeminentes da extrema-direita, para depois ser transformada em ação política nas ruas.
As mentiras hoje voam à velocidade da luz, enquanto a verdade fica paralisada a assistir. Também aí radica o deslaçar político das nossas sociedades.
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