quinta-feira, 24 de junho de 2021

O pior exemplo possível

Jair Bolsonaro tem a alma delicada demais para alguém que passou a vida defendendo torturadores. Basta que lhe façam uma pergunta de que não gosta e pronto, desmancha-se como um suspiro na chuva. Se a pergunta vier de uma mulher, então, o descontrole é total e ele parte para a agressão. A sua braveza é proporcional ao número de apoiadores que o cercam. Ou, mais corretamente: cúmplices.

O prefeito de Guaratinguetá, Marcus Soliva, do PSC, explicou à Folha de S. Paulo, anteontem, que Bolsonaro não gostou de ser chamado de “Genocida!” quando chegou à cidade (ele só aceita gritos de “Mito!”): “Mas isso aí a gente já sabe, o temperamento do presidente, ele fica nervoso, irritado, e acaba até exagerando nas palavras. É a personalidade dele, é difícil acalmar uma pessoa irritada.”

Por ser difícil, o prefeito preferiu fazer cara de paisagem enquanto, a seu lado, a autoridade fragilizada humilhava a repórter Laurene Santos, 27 anos de pura coragem e sangue frio, no mais recente episódio de destempero bolsonaro.


Entre os vários problemas com que nos confrontamos está exatamente este: a cara de paisagem coletiva que o país faz diante das mentiras, das grosserias e dos ataques do presidente — à imprensa, à oposição, à democracia.

Duvido que o senhor Soliva fizesse a egípcia se a repórter tratasse o presidente como o presidente tratou a repórter.

Covardia explícita. Pessoas adultas têm que ser responsabilizadas pelos seus atos e por suas palavras. Ganhar as eleições e ocupar a presidência não tornam ninguém inimputável. “É a personalidade dele” não é desculpa nem para uma criança de 5 anos, quanto mais para um velho mimado.

Dizem que a personalidade do Lázaro, aquele, também é difícil. E daí?

A premissa básica da convivência em sociedade é o respeito mútuo; sem respeito não há coexistência possível, e sem coexistência não há democracia.

Não, não é normal um presidente da República se comportar feito Bolsonaro. Não é normal um presidente da República ofender jornalistas e desafetos, ameaçar a população, perturbar a ordem. Não é normal um país inteiro aceitar a falta de decoro constante da sua autoridade máxima como se fosse assim mesmo.

Não é assim mesmo; não pode ser assim mesmo. E não é “só” questão de boas maneiras. A liturgia do cargo (de todos os cargos) é intrínseca à manutenção de um tecido social saudável.

Um médico, um piloto de avião ou um porteiro que se comportassem no serviço como Jair Messias Bolsonaro se comporta na Presidência da República seriam sumariamente demitidos.

Atos de grosseria e de desrespeito que se veem no alto são exemplos, e validam atos de grosseria e de desrespeito em todos os níveis e circunstâncias.

Neste momento particular da História, são também uma grave questão de saúde pública. O combate à pandemia requer disciplina e obediência às normas de higiene. Não existe “ninguém manda em mim” diante de um vírus.

Nossa sobrevivência como nação que se pretende civilizada depende de um conjunto de valores, a começar por uma ideia bastante simples: todos são iguais perante a lei.

Essa ideia está na Constituição Federal e, antes disso, já estava na Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Agora só falta ser respeitada no Brasil.

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