quinta-feira, 1 de outubro de 2020

A clareza resolve crises e a transparência salva vidas

As declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros e do Presidente da República em resposta ao embaixador dos EUA foram exemplares, tanto pela rapidez como pela clareza da mensagem. Quando o homem que em Lisboa representa a administração norte-americana – não por ser um diplomata de carreira, mas apenas como recompensa pelos serviços prestados no apoio e no financiamento da campanha presidencial de Donald Trump, em 2016 – tem o desplante de exigir, numa espécie de ultimato, numa entrevista ao jornal Expresso, que Portugal deveria afastar os chineses da futura rede 5G, bem como, entre outras coisas, de uma eventual gestão do Porto de Sines, tanto Augusto Santos Silva como Marcelo Rebelo de Sousa (e uso aqui a ordem cronológica das declarações e não a da hierarquia de Estado) foram de uma assertividade cristalina: em matéria de soberania nacional, Portugal decide por si próprio e não admite interferências de ninguém.

Ambos sublinharam que, nessa matéria, o País tem o direito e o dever de escolher o seu caminho, no quadro da sua História e do seu contexto político e geográfico, mas sem aceitar pressões de aliados ou de parceiros comerciais, resolvendo, num instante e sem rodeios, uma eventual crise diplomática. É disto que precisamos mais vezes: declarações claras, concretas, sem direito a segundas interpretações e que, por isso mesmo, são esclarecedoras e não criam qualquer equívoco ou mal-entendido na opinião pública.

Mais: são declarações que, pela sua clareza, marcam também um rumo para o futuro. Indicam os princípios norteadores e as respetivas linhas vermelhas, de uma forma simples e direta – e serão, por isso, várias vezes lembradas, não tenho dúvida, nos decisivos tempos que se avizinham. O confronto entre os EUA e a China vai, com toda a probabilidade, agravar-se nos próximos anos, seja qual for o próximo inquilino da Casa Branca, e Portugal voltará a ser alvo de pressões, de qualquer dos lados.


É desse bom exemplo de respostas que começamos a precisar urgentemente face à pandemia. Por uma razão simples: é a única forma de se conseguir criar um clima que permita ter a comunidade consciente do que se deve ou não fazer e a compreender, sem grandes dúvidas, as medidas que precisam de ser tomadas.

Um estudo publicado na revista científica The Lancet sobre as ações de vários governos face à pandemia, em diversas regiões do mundo, identificou os fatores que, pela experiência registada até agora, são determinantes para se poder manter a sociedade em funcionamento sem se ser obrigado a recorrer, novamente, a confinamentos com resultados económicos trágicos. Um dos principais fatores a que os autores do estudo chegaram foi o da necessidade de se gerar um clima de confiança na população, antes de se avançar para novas medidas restritivas ou de reabertura. Segundo afirmam, só há uma forma para se criar esse clima: com partilha de informação constante, baseada em dados fiáveis e relevantes. Ou seja: transparência absoluta, tanto sobre a evolução de novos casos como sobre os focos de contágio e as respostas do sistema de saúde.

É preciso também que as pessoas compreendam a razão por que as medidas são tomadas, com informação clara e transparente, para se evitar, por exemplo, que ninguém perceba porque pode haver público numa tourada mas não num estádio de futebol. Ou até, no limite, porque pode haver assistência num estádio durante um concerto, mas não num jogo…

Sem informação transparente, dizem os autores do estudo, as pessoas tendem a não respeitar as regras porque, simplesmente, não acreditam nelas. Ao mesmo tempo que a transparência também ajuda a eliminar regras desnecessárias, porque rapidamente se percebe que não fazem sentido. E, no fim, a confiança ajuda a salvar vidas.

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