Congresso legalizou roubar voto de pobre

O Congresso Nacional reduziu a pena de quem tentou roubar voto de pobre.

Os que tentaram roubar as armas da República para perpetuar sua facção no poder e matar seus adversários sob tortura também foram beneficiados.

De agora em diante, uma roleta será instalada na porta do Congresso para que o sujeito de direita, em caso de golpe fracassado, já se dirija ao centrão para comprar "revisão de dosimetria" com emendas do orçamento secreto. Aceitarão dinheiro vivo também, Sóstenes, pode ficar tranquilo.


Longe de "pacificar o país", como dizem seus defensores, a revisão de dosimetria foi uma declaração de guerra do Congresso de direita contra os pobres que votaram em Lula.

Para apaziguar meia dúzia de políticos ladrões, militares desertores e pastores estelionatários, o Congresso traiu os trabalhadores brasileiros que tiveram que andar longas distâncias para votar em 2022, driblando os bloqueios de estrada ordenados por Bolsonaro.

A turma que defende a revisão de dosimetria frequenta as mesmas festas de rico que os deputados. Os trabalhadores que ficaram presos nos bloqueios de estrada raramente são convidados.

A pena para quem ordenou e para quem executou os bloqueios de estrada também caiu.

O encarregado de defender o Carnaval da dosimetria no Senado foi Espiridião Amin (PP-SC).

Amin estava na reunião de 30 de novembro de 2022 em que toda a bancada bolsonarista pediu golpe em pleno Congresso Nacional. Na plateia, estava o líder dos acampamentos golpistas, que disse que o evento estava sendo projetado em telões em frente aos quartéis. Perto dele, um dos terroristas que tentou explodir o aeroporto de Brasília na véspera do Natal de 2022. Junto aos dois, líderes caminhoneiros que bloquearam estradas naqueles meses pedindo golpe. Ao final da orgia golpista, quando um dos presentes perguntou por que eles não decretavam o golpe ali mesmo, o presidente da sessão, senador Eduardo Girão, declarou que várias alternativas estavam sendo estudadas.

Amin foi saudado pelos golpistas como um deles e em nenhum momento protestou contra os pedidos de artigo 142 ou de intervenção militar. Quando tomou a palavra foi para assegurar que estava trabalhando para que os pedidos de impeachment de ministros do STF arquivados pela presidência do Senado fossem reabertos.

A vontade é dizer: Amin, como todos os presentes na reunião de 30 de novembro de 2022, deveria ser preso por ter participado da campanha de incitação ao golpe.

Mas de que adiantaria prender? Quinze dias depois, a direita no Senado aprovaria uma "revisão de dosimetria" que lhe mandaria de volta para casa e pagaria jetom pelos dias de cadeia.

Eu teria sido preso pela ditadura Bolsonaro. Durante a última ditadura que Espiridião Amin apoiou, muita gente foi. Dessa vez, até pela falta de apoio social ao golpe, teriam que matar muito mais. Inclusive você, leitor da "Foice de São Paulo".

A Débora do batom estava em cima da estátua para pedir isso: que os militares matassem seus adversários políticos, que constituíam (e, a crer nas pesquisas atuais, ainda constituem) a maioria do povo brasileiro.

Ninguém na direita me ligou para saber se me sinto pacificado agora que caiu a pena de quem tentou me botar no pau-de-arara.

Achei indelicado.

Um escândalo

Não há mobilização política ou comoção social sobre a dosimetria das penas ou as condições de encarceramento dos cerca de 950 mil brasileiros que se encontram no sistema prisional do país (Secretaria Nacional de Políticas Penais).

Desse amontoado de gente, uns 40% ainda nem foram julgados, mas já estão privados de liberdade. O furto e o tráfico de pequenas quantidades de drogas são os crimes que mais levam à prisão provisória, ou seja, infrações que poderiam ser tratadas com medidas alternativas. Mas não são.

Esse quase um milhão de pessoas é tratado pior do que bicho, já que estão submetidos a condições que ferem a dignidade e impedem (ou dificultam) a reabilitação e uma futura reintegração à sociedade.

Por que será que não há "refresco" para essa gente?


Tudo leva a crer que seja porque o grosso da massa encarcerada no Brasil é composta por negros (70% são pretos e pardos pelos dados do Sistema Nacional de Informações Penais), pobres, sem parentes importantes ou contatos influentes no meio político.

E a propositura e aprovação pelo Congresso Nacional do PL da Dosimetria, feito sob medida para reduzir as penas aplicadas a um grupo específico de "cidadãos do bem" (entre os quais estão um ex-presidente da República e militares de alta patente) condenados por tentativa de golpe e ameaça ao Estado Democrático de Direito só corrobora essa impressão ao ir na contramão da história.

Afinal, historicamente nosso parlamento atua para endurecer a legislação penal. Ninguém passa pano para bandido preto, pobre, sem influência política e econômica. O Pacote Anticrime (lei 13.964/2019) é um bom exemplo. A lei (15.181/2025) que agrava o crime de furto, roubo e receptação envolvendo equipamentos de energia, telefonia, transferência de dados e transporte, é outro.

Aliviar o lado de quem planejou um golpe de Estado, invadiu e depredou o Palácio do Planalto, o STF e o próprio Congresso, atentando contra a ordem democrática e a normalidade institucional, é um escândalo.

O governo, o país, o povo

Sempre o governo! O governo devia ser o agricultor, o industrial, o comerciante, o filósofo, o sacerdote, o pintor, o arquiteto – tudo. Quando um país abdica assim nas mãos dum governo toda a sua iniciativa, e cruza os braços, esperando que a civilização lhe caia feita das secretarias, como a luz lhe vem do sol, esse país está mal: as almas perdem o vigor, os braços perdem o hábito do trabalho, a consciência perde a regra, o cérebro perde a ação. E como o governo lá está para fazer tudo - o país estira-se ao sol e acomoda-se para dormir. Mas, quando acorda - é como nos acordamos com uma sentinela estrangeira à porta do arsenal.

Eça de Queirós, "A catástrofe"

Nossa tragédia é o devaneio - conivência parafrastica

Acho um pouco reducionista, mas brilhante, a abordagem do jornalista Antonio Machado no artigo publicado, no fim de semana (14.12), para o jornal Correio Braziliense, intitulado “Questão de ordem”. Referindo-se à conjuntura brasileira, observa que “… o País se perde em bravatas, cassações de parlamentares, operações policiais midiáticas, embates (puramente) regimentais e monólogos de autoridades”. Uma demonstração de que “o Brasil real segue largado à margem”.


O articulista ampara suas afirmações em três hipóteses: “A política alheia ao País”, “O que não se discute”, “Sabemos fazer, e não fazemos”. Reducionista, porque não escancara a ferida da política econômica voltada claramente para redistribuição da riqueza (dos outros), sem uma contrapartida do aumento da produção e da produtividade, legando a tarefa ao ativismo do MST e aos trabalhadores urbanos sindicalizados que, ao contrário, estão conquistando um dia mais de folga na semana: de 6x1 para 5x2. No modelo de trocas que aí está, o redistributivismo tende a beneficiar, sim, os burocratas hegemônicos no Poder: o Judiciário, recorrente, já voltou a reivindicar aumento de 28 % nos salários dos seus ministros e servidores; o Ministério da Fazenda – o órgão redistribuidor – propõe estender para os funcionários da Carf -Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, as vantagens pecuniárias da “periculosidade”. E, assim por diante. Absurdos compatíveis com os devaneios organizacionais da atual gestão de governo.

O problema levantado por Machado centra-se no que ele chama de “Questão de ordem”, numa alusão à indisciplina a que chegou a administração pública e a governabilidade. Conseguiu-se atingir o pico da desordem plena. Uma disputa de Poder entre o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Deve-se muito a contaminação ideológica do “trabalhismo”, conduzida pelas classes médias e intelectuais que, supostamente, deram origem ao PT. Trata-se de um pretenso partido único, revolucionário, intuído por Lênin. Está mais para uma agremiação mussolinista, no caso da Itália, criado por um ex-socialista que o desenvolveu a partir de uma ideologia nacionalista. Não parece ser mesmo também o caso da gestão política em curso. Confuso: busca a internacionalização, sem apegos à integração continental. Por aqui, conseguiu desestruturar o Estado Brasileiro. Na verdade, desde a Proclamação da República, o Brasil não encontrou seu caminho nas ideologias, nem conseguiu organizar-se devidamente como Estado, por causa da herança patrimonialista, do filhotismo, da troca de favores e das fragilidades impostas à burocracia de Estado como estratégias de governança.

A primeira hipótese de Machado é que “A política alheia ao País”. Ninguém governa. Os cidadãos estão abandonados. A coreografia da desestruturação do Estado somada às barganhas para construção da hegemonia política terminou transferindo para a iniciativa privada uma elite tecno burocrática, com formação superior apurada em gestão de política públicas. Saindo das mãos de uma elite rural, caímos nas mãos de um grupo de intelectuais acadêmicos (doutores em Sociologia, Administração e Economia: Delfim, Símonsen, Celso Furtado, FHC, pessoal do IPEA, da FGV e outros), para chegar ao controle dos sindicatos, cujos afiliados são pouco dado à leituras, sem se dar conta de que foram eles que sustentaram o regime de Benito Mussolini. O Governo abandona as tradições da integração continental para tomar a direção de socialismos em crise – chamados de “nova esquerda” -, e alia-se a líderes que só conseguem se manter no Poder pelo uso explícito da força, e que nada tem à ver com o pensamento e os problemas do nosso Continente. A política externa brasileira sempre se pautou pela autonomia e o não alinhamento. Agora mistura tudo. A mudança de postura se expressa pelo flerte, cada vez mais insistente e inconsistente historicamente, com lideranças autoritárias que se opõe à cultura do Ocidente. Amadurecida por anos de mandatos repetidos, pode, na próxima eleição, criar maior confusão, no caso da eleição de um opositor ao atual grupo no Poder.

O que não se discute (segunda hipótese) …. é a origem de tudo isso na contemporaneidade. Os nomes são conhecidos. Mas só aflora o dos agentes: Lula, Fidel e Zé Dirceu (militei com ele no movimento estudantil: um pequeno burguês, sempre conspirando, nas sombras (Caso UNE), estimulado por partidos ideológicos, e desestruturados pela militarização do Poder ao longo de vinte anos. Aquele trio, agregado de Hugo Chavez, instituiu a polarização, (esquerda x direita) contrariando a democracia pluripartidária, oferecendo no cardápio apenas duas plataformas de convergência política para os que tinham outras opções. Radicalizaram, estigmatizando-os de “extrema-direita”, em atitudes pouco convencionais não necessariamente revolucionárias. Vem aparelhando gradualmente o Estado à busca do Poder hegemônico. Terminam sempre numa Comissão Parlamentar de Inquérito que, por sua vez, tem concluído em pizzas e, ambiguamente, pela culpabilidade dos agentes, porém todo mundo solto e liberados para retornar ao Poder.

Sabemos fazer, e não fazemos. Uma hipótese ousada. Acho que é o contrário; não sabemos fazer. Construímos nosso caminho, vivenciando por décadas “conflitos inúteis”, “devaneios políticos” e não temos programas consistentes de absorção de novas tecnologias. Os projetos de governo estão “presos à poeira do presente”. “Sabemos fazer”. Acho que não. Nossa massa crítica é limitada, a ciência um devaneio e fica-se sem espaço até mesmo em um Parlamento Digital, popular, como ocorreu no norte da África. Em nome das “fake news” encerram-se atividades blogueiras dos parlamentos digitais, cassam-se importantes debatedores, enterram abordagens criativas e teses embrionárias. A intelectualidade corporativa, introduz a desordem na governabilidade, tornando cada vez mais difícil a escalada para chegar a qualquer Prêmio Nobel.

Elites tecnológicas batalham pelo controle do futuro

Tem sido difícil pinçar algo apaziguante sobre o amanhã à nossa espera — o futuro chegou muito antes de 2025 se esvair, e coisa boa não é. Veio a galope, sem pruridos de atropelar a cosmologia anterior. Para o veterano analista Alastair Crooke, ex-agente do serviço de inteligência britânico MI6 e fundador do Fórum de Conflitos com sede em Beirute, o pensamento populista conservador ocidental já conseguiu criar raízes como algo mais bruto, coercivo e radical.

— Kaputt o modelo de uma ordem internacional baseada em regras (se é que alguma vez existiu para além da narrativa) — escreve Crooke no ensaio “Uma nova era de domínio coercivo”.


A guerra pelo poder futuro já é travada — sem regras, sem direito, poucos limites e em ostensivo desdém pela Carta das Nações Unidas. Segundo Crooke, a tática adotada pelos aspirantes a donos do futuro é deixar seus adversários atônitos e imobilizados, figuras congeladas no tempo e na ação. São tempos de transgressão deliberada com o propósito de chocar, mover-se depressa e, no caminho, destruir a (des)ordem anterior. Os Estados Unidos de Donald Trump e o Israel de Benjamin Netanyahu acreditam ser a vanguarda da derrocada do liberalismo global e de suas ilusões.

O ensaísta político Giuliano da Empoli, autor do estupendo romance “Mago do Kremlin”, inspirado na história real da eminência parda de Putin, Vladislav Surkov, pisa mais fundo na sua visão do nosso amanhã. Em novo livro intitulado “The hour of the predator: encounters with the autocrats” (ainda sem edição brasileira), sai de cena toda uma classe política de tecnocratas (tanto de direita como de esquerda), mais ou menos indistinguíveis entre si, que governavam seus países com base em princípios de democracia liberal, em conformidade com as regras de mercado e modulados por algumas considerações sociais, formando o Consenso de Davos. Na pena cortante de Da Empoli, o conchavo anual realizado na Suíça entra para a História como lugar onde a política se reduzia a uma competição entre apresentações em PowerPoint, e o gesto mais transgressor que alguém podia ter era usar uma malha de gola alta preta em vez de camisa azul-clara à hora de bebericar.

As novas elites tecnológicas mundiais — os Musks, Zuckerbergs e Sam Altmans — nada têm em comum com os tecnocratas de Davos. A filosofia de vida desses barões da IA não se assenta na gestão da ordem existente, mas, pelo contrário, num desejo irreprimível de tudo chacoalhar. Ordem, prudência e respeito pelas regras são anátemas para quem chegou depressa à fama e fortuna, quebrando coisas, como dizia o lema original do Facebook.

No incendiário comício londrino que chocou o establishment britânico meses atrás, Elon Musk anunciou a “próxima chegada da violência” e conclamou a todos:

— Ou vocês reagem, ou morrem.

Seu ostensivo e inabalável apoio a movimentos de extrema direita, dos bolsonaristas no Brasil à AfD na Alemanha — não se deve apenas a excentricidades de um bilionário nascido na África do Sul. Segundo Da Empoli, ele revela algo mais fundamental, que ultrapassa em muito as preferências de um único oligarca tecnológico. As palavras de Musk são, diz ele, apenas a ponta de algo muito mais profundo: uma batalha entre elites de poder pelo controle do futuro.

Por natureza e trajetória, os senhores da alta tecnologia atual têm mais em comum com líderes nacional-populistas de extrema direita — os Trumps, Mileis, Bolsonaros e chefes de movimentos semelhantes europeus — que com os políticos que há décadas governaram as democracias liberais ocidentais. Tal como os primeiros, são quase sempre personagens excêntricos que tiveram de violar regras para prosperar. E, como eles, também desconfiam das elites, dos saberes de especialistas, de tudo o que encarna o Velho Mundo. Também estão convencidos de que podem moldar a realidade de acordo com seus desígnios de que a viralidade (e, de lambuja, também a virilidade) prevalece sobre a verdade, a velocidade é posta a serviço do mais forte. Um sólido desprezo por servidores públicos e pelo Estado Democrático de Direito é outro denominador comum.

Tal abordagem revela-se sedutora para uma opinião pública inclinada a considerar o sistema institucional cego, surdo e mudo às aflições populares e convencida de que que votar neste ou naquele político faz pouca diferença para a vida como ela é. Da Empoli teme que grandes e pequenas democracias liberais corram o risco de ser varridas como as pequenas repúblicas italianas do início do século XVI.

— Se, na teologia, um milagre corresponde à intervenção direta de Deus, que contorna as regras normais da existência terrena para produzir um acontecimento extraordinário, a lógica de Trump e de outros líderes nacional-populistas é semelhante — escreve ele. — Quebrar as regras (e, muitas vezes, as próprias leis) para intervir nos problemas que afligem seus eleitores: essa é a promessa do milagre político.

Xô, melhor não acreditar em milagres.

O enxame

Na série “Pluribus”, criada por Vince Gilligan (“Breaking Bad”) para a Apple TV, um vírus extraterrestre transforma a Humanidade em um enxame.

Pensem numa colmeia ou num formigueiro. Abelhas e formigas funcionam como um único organismo. O cérebro desse organismo — a rainha — controla cada formiga, cada abelha. Nenhuma sobrevive sozinha. Não há identidade individual. É isso que ocorre em “Pluribus”. A Humanidade passa a se comportar como uma entidade única, movida por um só propósito e dotada de uma aparente consciência ética e moral.

Em todo o mundo, apenas 13 pessoas resistem ao vírus. Uma delas, a personagem principal, é uma romancista antipática: Carol Sturka, interpretada pela excelente Rhea Seehorn. O enxame trata os resistentes com extrema gentileza, satisfaz todos os seus desejos e responde com franqueza às suas dúvidas e inquietações. A maioria acaba por se render. Carol, não. Ela se recusa a abdicar da própria identidade.

Carol parece acreditar que a identidade individual sempre se impôs à coletiva — e que assim deve ser. Não tenho tanta certeza.

E se o “eu” sempre tiver sido uma ficção provisória?

A individualidade parece-me uma invenção recente. Durante milênios, os seres humanos não se pensaram como sujeitos autônomos, mas como parte de organismos mais vastos — a tribo, o clã, a aldeia, a linhagem, a religião. O nome do indivíduo era, muitas vezes, o do ofício: Ferreira e Ferraz vêm de ferreiro; Teles, de tecelão; Machado, do lenhador. Fulano era o Pastor, o Guerreiro, o Lavrador. Em outros casos, adotava-se o nome da própria comunidade. Ainda é assim em muitas sociedades tradicionais.

Decisões individuais eram exceção — e vistas com desconfiança. A sobrevivência dependia de certa unanimidade.

A Revolução Industrial colocou o indivíduo no centro. Nasceram os direitos individuais, a ideia de liberdade e de responsabilidade pessoal. Porém, talvez isso tenha sido apenas um breve parêntese.

Hoje, com a conexão permanente, o enxame retornou sob nova forma. Estamos ligados o tempo todo. Sincronizados. Emoções propagam-se em ondas. Indignações acendem-se em cadeia. O medo, o luto, o entusiasmo tornaram-se fenômenos coletivos.

Tememos, como a escritora Carol Sturka, que nossa singularidade se dilua. Não queremos abdicar da consciência crítica. Outros abandonam o eu como quem larga um peso antigo — e rendem-se ao enxame. O enxame oferece um sentimento de pertença, segurança, alívio de responsabilidade e uma certa imunidade simbólica.

O problema não é a identidade coletiva, mas a sua nova infraestrutura. O enxame contemporâneo não nasce da convivência ou da memória partilhada, e sim de arquiteturas invisíveis — algoritmos, plataformas, economias da atenção.

Não sabemos quem é a rainha. Mas suspeitamos. E suspeitamos que ela — ou elas — não trabalhe para o bem comum. Desconfio que, no final da série, Carol acabará por descobrir algo assim.
José Eduardo Agualusa