segunda-feira, 22 de dezembro de 2025

O enxame

Na série “Pluribus”, criada por Vince Gilligan (“Breaking Bad”) para a Apple TV, um vírus extraterrestre transforma a Humanidade em um enxame.

Pensem numa colmeia ou num formigueiro. Abelhas e formigas funcionam como um único organismo. O cérebro desse organismo — a rainha — controla cada formiga, cada abelha. Nenhuma sobrevive sozinha. Não há identidade individual. É isso que ocorre em “Pluribus”. A Humanidade passa a se comportar como uma entidade única, movida por um só propósito e dotada de uma aparente consciência ética e moral.

Em todo o mundo, apenas 13 pessoas resistem ao vírus. Uma delas, a personagem principal, é uma romancista antipática: Carol Sturka, interpretada pela excelente Rhea Seehorn. O enxame trata os resistentes com extrema gentileza, satisfaz todos os seus desejos e responde com franqueza às suas dúvidas e inquietações. A maioria acaba por se render. Carol, não. Ela se recusa a abdicar da própria identidade.

Carol parece acreditar que a identidade individual sempre se impôs à coletiva — e que assim deve ser. Não tenho tanta certeza.

E se o “eu” sempre tiver sido uma ficção provisória?

A individualidade parece-me uma invenção recente. Durante milênios, os seres humanos não se pensaram como sujeitos autônomos, mas como parte de organismos mais vastos — a tribo, o clã, a aldeia, a linhagem, a religião. O nome do indivíduo era, muitas vezes, o do ofício: Ferreira e Ferraz vêm de ferreiro; Teles, de tecelão; Machado, do lenhador. Fulano era o Pastor, o Guerreiro, o Lavrador. Em outros casos, adotava-se o nome da própria comunidade. Ainda é assim em muitas sociedades tradicionais.

Decisões individuais eram exceção — e vistas com desconfiança. A sobrevivência dependia de certa unanimidade.

A Revolução Industrial colocou o indivíduo no centro. Nasceram os direitos individuais, a ideia de liberdade e de responsabilidade pessoal. Porém, talvez isso tenha sido apenas um breve parêntese.

Hoje, com a conexão permanente, o enxame retornou sob nova forma. Estamos ligados o tempo todo. Sincronizados. Emoções propagam-se em ondas. Indignações acendem-se em cadeia. O medo, o luto, o entusiasmo tornaram-se fenômenos coletivos.

Tememos, como a escritora Carol Sturka, que nossa singularidade se dilua. Não queremos abdicar da consciência crítica. Outros abandonam o eu como quem larga um peso antigo — e rendem-se ao enxame. O enxame oferece um sentimento de pertença, segurança, alívio de responsabilidade e uma certa imunidade simbólica.

O problema não é a identidade coletiva, mas a sua nova infraestrutura. O enxame contemporâneo não nasce da convivência ou da memória partilhada, e sim de arquiteturas invisíveis — algoritmos, plataformas, economias da atenção.

Não sabemos quem é a rainha. Mas suspeitamos. E suspeitamos que ela — ou elas — não trabalhe para o bem comum. Desconfio que, no final da série, Carol acabará por descobrir algo assim.
José Eduardo Agualusa

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