sábado, 20 de dezembro de 2025
Retomando o fio da meada
Hoje, as agremiações políticas pararam de examinar os problemas mais agudos do país, isto é, de propor alternativas democráticas aprofundadas. Viraram máquinas eleitorais apenas. Distanciados dos movimentos sociais, desprovidos de quadros com capacidade de elaboração teórica e articulação política, os partidos políticos deixaram de atuar como intelectuais coletivos e se transformaram em meros organismos de Estado.
Foram, de certa forma, "estatizados", limitando-se a caminhar do Estado para a sociedade e não o contrário.
Dir-se-ia que a sociedade civil, sempre maior que o Estado por sinal, passou a ser encarada como um detalhe.
Tanto os setores mais reformadores quanto os mais conservadores possuíam quadros de qualidade. A União Democrática Nacional (UDN) estampava formuladores da ordem de Afonso Arinos de Melo Franco, Carlos Lacerda e Aliomar Baleeiro. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) apresentou nomes como Josué de Castro, Leonel Brizola e Alberto Pasqualini. Pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), havia figuras como Nelson Werneck Sodré, Alberto Passos Guimarães e Luiz Carlos Prestes.
Personalidades como Juscelino Kubitschek e Raul Pilla também enriqueceram de forma notável a vida nacional. A atividade política, dos formuladores aos dirigentes, ficou mais debilitada. Por qual razão?
De um lado, a longa vigência do regime militar, com a criminalização consequente da atividade militante, impediu a participação de toda uma geração, aquela que justamente despontava no horizonte político.
Afinal, foram 21 anos de regime de exceção. A política, para além de se tornar uma atividade perigosa, foi sendo, também, mal vista. Os movimentos estudantis, verdadeiros mananciais de futuros quadros, foram duramente reprimidos e acabaram se retraindo. Mais: o diálogo entre a geração de intelectuais anterior a 1964 e aquela que surgiria depois foi praticamente interrompido, cortado. E o conhecimento se refugiou em algumas esferas universitárias, onde a prática política não era muito valorizada, predominando o chamado "intimismo à sombra do poder"; ou a despolitização e um compreensivo receio. Isso tampouco contribuiu.
Repressão política, exílios e divisões internas fizeram com que parcelas consideráveis do campo democrático fossem alijadas da cena nacional, provocando um recuo da cultura voltada para o interesse público. O surgimento e a legalização, ainda sob a ditadura militar, do Partido dos Trabalhadores não facilitou a retomada desse diálogo: a ação política parece ter começado da estaca zero, na visão de alguns de seus dirigentes. E o fato é que o legado de figuras como Milton Santos, Celso Furtado, San Thiago Dantas, Guerreiro Ramos, Darcy Ribeiro e Leôncio Basbaum, para citarmos apenas alguns eminentes pensadores do Brasil, foi praticamente posto de lado.
Em 1998, eu tive a honra de organizar e lançar o livro Tudo é Política, juntamente com o saudoso Nelson Werneck Sodré. Na apresentação da obra, destaquei a necessidade de retomarmos o fio da meada com a produção intelectual anterior a 1964, até para podermos nos habilitar de fato para um novo projeto de nação.
Desde então, o quadro não sofreu alterações. Infelizmente, continuamos sem projeto. A única tentativa nesse sentido, depois do Plano de Metas, no Governo Juscelino, e das chamadas Reformas de Base, no período Jango, se deu durante o Plano Real, de Itamar Franco. No total, se fôssemos somar todas essas três experiências, teríamos pouco mais de dez anos de respiro. É pouco, muito pouco.
Por outro lado, as mutações no aparelho produtivo fazem com que os partidos tenham dificuldades em armar uma política que leve em consideração o trabalhador de novo tipo que surge diante de nós.
Automação, IA, trabalho por conta própria, tudo isso anuncia uma era diferente. O movimento anarquista, queiramos ou não, foi a face política da indústria de corte mais artesanal. O movimento comunista, a expressão do chão da fábrica. E agora carecemos de atuação e reflexão com base nas transformações que atingem a realidade do mundo do trabalho.
Hoje, existe um certo desânimo frente à situação em que o Brasil se encontra. Corrupção desenfreada, violência espalhada por todos os cantos do país, recuo da cultura pública e do convívio minimamente civilizado entre as pessoas, aumento do número de favelas e moradias precárias, mediocridade reinante em instâncias partidárias, o quadro é desalentador.
Prova suplementar de uma certa mediocridade e estreiteza foi dada pelas recentes manifestações em várias cidades brasileiras colocando o Congresso Nacional como "inimigo do povo". Esta atitude, por ser isolacionista, é extremamente perigosa, revelando uma precária visão política e jogando as forças mais moderadas no colo das forças mais atrasadas. E toda vez que as forças moderadas deixam de ser o fiel da
balança, o fator de equilíbrio, as forças democráticas saem perdendo.
Não teria havido 64 sem a adesão do PSD de Juscelino Kubitschek, que inclusive indicou o vice de Castelo Branco, e tampouco Augusto Pinochet no Chile sem a adesão da Democracia Cristã de Eduardo Frei.
Uma coisa são os congressistas, outra o Congresso Nacional, isto é, a instituição. Convém refletir sobre isso. A distância entre o oportunismo e o sectarismo é, muitas vezes, bem curta.
Viramos completamente as costas à necessidade de nos dotarmos de um projeto de nação cujos eixos principais, a meu ver, passam pelo aprofundamento da questão democrática, pela compreensão do novo mundo do trabalho, pela recuperação da identidade nacional tão abalada e pela incorporação da problemática ambiental também. A Educação e a Cultura têm um papel central nesse processo.
O desafio é imenso. Mas não temos outra opção, se queremos contribuir para um Brasil melhor.
Foram, de certa forma, "estatizados", limitando-se a caminhar do Estado para a sociedade e não o contrário.
Dir-se-ia que a sociedade civil, sempre maior que o Estado por sinal, passou a ser encarada como um detalhe.
Tanto os setores mais reformadores quanto os mais conservadores possuíam quadros de qualidade. A União Democrática Nacional (UDN) estampava formuladores da ordem de Afonso Arinos de Melo Franco, Carlos Lacerda e Aliomar Baleeiro. O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) apresentou nomes como Josué de Castro, Leonel Brizola e Alberto Pasqualini. Pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), havia figuras como Nelson Werneck Sodré, Alberto Passos Guimarães e Luiz Carlos Prestes.
Personalidades como Juscelino Kubitschek e Raul Pilla também enriqueceram de forma notável a vida nacional. A atividade política, dos formuladores aos dirigentes, ficou mais debilitada. Por qual razão?
De um lado, a longa vigência do regime militar, com a criminalização consequente da atividade militante, impediu a participação de toda uma geração, aquela que justamente despontava no horizonte político.
Afinal, foram 21 anos de regime de exceção. A política, para além de se tornar uma atividade perigosa, foi sendo, também, mal vista. Os movimentos estudantis, verdadeiros mananciais de futuros quadros, foram duramente reprimidos e acabaram se retraindo. Mais: o diálogo entre a geração de intelectuais anterior a 1964 e aquela que surgiria depois foi praticamente interrompido, cortado. E o conhecimento se refugiou em algumas esferas universitárias, onde a prática política não era muito valorizada, predominando o chamado "intimismo à sombra do poder"; ou a despolitização e um compreensivo receio. Isso tampouco contribuiu.
Repressão política, exílios e divisões internas fizeram com que parcelas consideráveis do campo democrático fossem alijadas da cena nacional, provocando um recuo da cultura voltada para o interesse público. O surgimento e a legalização, ainda sob a ditadura militar, do Partido dos Trabalhadores não facilitou a retomada desse diálogo: a ação política parece ter começado da estaca zero, na visão de alguns de seus dirigentes. E o fato é que o legado de figuras como Milton Santos, Celso Furtado, San Thiago Dantas, Guerreiro Ramos, Darcy Ribeiro e Leôncio Basbaum, para citarmos apenas alguns eminentes pensadores do Brasil, foi praticamente posto de lado.
Em 1998, eu tive a honra de organizar e lançar o livro Tudo é Política, juntamente com o saudoso Nelson Werneck Sodré. Na apresentação da obra, destaquei a necessidade de retomarmos o fio da meada com a produção intelectual anterior a 1964, até para podermos nos habilitar de fato para um novo projeto de nação.
Desde então, o quadro não sofreu alterações. Infelizmente, continuamos sem projeto. A única tentativa nesse sentido, depois do Plano de Metas, no Governo Juscelino, e das chamadas Reformas de Base, no período Jango, se deu durante o Plano Real, de Itamar Franco. No total, se fôssemos somar todas essas três experiências, teríamos pouco mais de dez anos de respiro. É pouco, muito pouco.
Por outro lado, as mutações no aparelho produtivo fazem com que os partidos tenham dificuldades em armar uma política que leve em consideração o trabalhador de novo tipo que surge diante de nós.
Automação, IA, trabalho por conta própria, tudo isso anuncia uma era diferente. O movimento anarquista, queiramos ou não, foi a face política da indústria de corte mais artesanal. O movimento comunista, a expressão do chão da fábrica. E agora carecemos de atuação e reflexão com base nas transformações que atingem a realidade do mundo do trabalho.
Hoje, existe um certo desânimo frente à situação em que o Brasil se encontra. Corrupção desenfreada, violência espalhada por todos os cantos do país, recuo da cultura pública e do convívio minimamente civilizado entre as pessoas, aumento do número de favelas e moradias precárias, mediocridade reinante em instâncias partidárias, o quadro é desalentador.
Prova suplementar de uma certa mediocridade e estreiteza foi dada pelas recentes manifestações em várias cidades brasileiras colocando o Congresso Nacional como "inimigo do povo". Esta atitude, por ser isolacionista, é extremamente perigosa, revelando uma precária visão política e jogando as forças mais moderadas no colo das forças mais atrasadas. E toda vez que as forças moderadas deixam de ser o fiel da
balança, o fator de equilíbrio, as forças democráticas saem perdendo.
Não teria havido 64 sem a adesão do PSD de Juscelino Kubitschek, que inclusive indicou o vice de Castelo Branco, e tampouco Augusto Pinochet no Chile sem a adesão da Democracia Cristã de Eduardo Frei.
Uma coisa são os congressistas, outra o Congresso Nacional, isto é, a instituição. Convém refletir sobre isso. A distância entre o oportunismo e o sectarismo é, muitas vezes, bem curta.
Viramos completamente as costas à necessidade de nos dotarmos de um projeto de nação cujos eixos principais, a meu ver, passam pelo aprofundamento da questão democrática, pela compreensão do novo mundo do trabalho, pela recuperação da identidade nacional tão abalada e pela incorporação da problemática ambiental também. A Educação e a Cultura têm um papel central nesse processo.
O desafio é imenso. Mas não temos outra opção, se queremos contribuir para um Brasil melhor.
Ivan Alves Filho
Chavão abre porta grande
O clichê é um divisor de águas na vida de quem escreve. É a tábua de salvação quando o cérebro aciona o piloto automático, incapaz de qualquer esforço intelectual — e a dificuldade de pensar e elaborar simbolicamente nos faz tirar da cartola, ou do bolso do colete, uma imagem que valha mais que mil palavras.
Via de regra, é só a gente baixar a guarda e... lá está ele, dando o ar da sua graça e apontando a luz no fim do túnel do que parecia um beco sem saída ou o fundo do poço. Chega como uma bala de prata para que não seja preciso ficar dando murro em ponta de faca, enxugando gelo ou chorando sobre o leite derramado.
Não quero dar o pontapé inicial numa caça às bruxas nem esticar a corda para estancar a hemorragia de lugares-comuns que assola a imprensa. Tampouco acionar uma metralhadora giratória e pôr ordem na casa. Não tenho costas largas e viraria saco de pancadas, cavando minha própria sepultura. Mas dói na alma abrir o jornal, o site de notícias, e ler que o Centrão costura acordos, que o presidente americano era a última carta do bolsonarismo, que o governo não quer dar o braço a torcer, que o ministro vai enxugar o orçamento e que certa candidatura pode embaralhar o jogo. É uma dose tão cavalar de clichês que o leitor precisa arregaçar as mangas, suar a camisa e, a duras penas, aos trancos e barrancos, tentar deixar passar em branco esse golpe baixo na linguagem.
Sim, os clichês são uma faca de dois gumes. Se os repetimos tanto é porque tiveram poder de fogo e, em algum momento, foram um gol de placa, um salto qualitativo, um toque de mestre. Mas, para Bachelard, são a inatividade do pensamento. Flaubert chegou a criar com eles um “compêndio da banalidade, da mediocridade e da ignorância pretensiosa”. Cláudio Tognolli dedicou-lhes um livro inteiro (“A sociedade dos chavões”). E o filósofo da MPB Itamar Assumpção acertou na mosca ao dizer que “chavão abre porta grande”.
Abre, mas é uma pedra no sapato de quem escreve coluna semanal, sem aquele tempo de gaveta a que a literatura de verdade faz jus. E aí é um tal de político tentando salvar a própria pele, quadrilhas sendo desbaratadas, suspeitas ganhando corpo. Surgem provas robustas, há ascensões meteóricas, muitas camadas e — nem García Márquez escapou à lei da selva da banalização — a morte anunciada disso e daquilo.
Lutar contra o clichê é briga de cachorro grande. Atire a primeira pedra quem nunca errou na mão ou mordeu a isca e acabou empurrando com a barriga esse compromisso com o erro.
É bom parar por aqui antes que dê com os burros n’água — afinal, tenho telhado de vidro. Por mais que tente, minha escrita não tem precisão cirúrgica, e mexer nesse vespeiro não impedirá que me peguem com a boca na botija, falando em narrativa, saberes, curadoria, performar — nem nos atravessamentos e interseccionalidades que, num passe de mágica, jogam uma pá de cal na legibilidade de qualquer texto.
Apesar dos pesares, entregar-se de corpo e alma à escrita é a prova de fogo de todo escritor. E cabe a ele defender com unhas e dentes seu direito de enfrentar desafios, quebrar paradigmas e não fugir da raia. Nem que apelar para a cereja do bolo seja seu tiro de misericórdia.
E isso é só a ponta do iceberg.
Eduardo Affonso
Via de regra, é só a gente baixar a guarda e... lá está ele, dando o ar da sua graça e apontando a luz no fim do túnel do que parecia um beco sem saída ou o fundo do poço. Chega como uma bala de prata para que não seja preciso ficar dando murro em ponta de faca, enxugando gelo ou chorando sobre o leite derramado.
Não quero dar o pontapé inicial numa caça às bruxas nem esticar a corda para estancar a hemorragia de lugares-comuns que assola a imprensa. Tampouco acionar uma metralhadora giratória e pôr ordem na casa. Não tenho costas largas e viraria saco de pancadas, cavando minha própria sepultura. Mas dói na alma abrir o jornal, o site de notícias, e ler que o Centrão costura acordos, que o presidente americano era a última carta do bolsonarismo, que o governo não quer dar o braço a torcer, que o ministro vai enxugar o orçamento e que certa candidatura pode embaralhar o jogo. É uma dose tão cavalar de clichês que o leitor precisa arregaçar as mangas, suar a camisa e, a duras penas, aos trancos e barrancos, tentar deixar passar em branco esse golpe baixo na linguagem.
Sim, os clichês são uma faca de dois gumes. Se os repetimos tanto é porque tiveram poder de fogo e, em algum momento, foram um gol de placa, um salto qualitativo, um toque de mestre. Mas, para Bachelard, são a inatividade do pensamento. Flaubert chegou a criar com eles um “compêndio da banalidade, da mediocridade e da ignorância pretensiosa”. Cláudio Tognolli dedicou-lhes um livro inteiro (“A sociedade dos chavões”). E o filósofo da MPB Itamar Assumpção acertou na mosca ao dizer que “chavão abre porta grande”.
Abre, mas é uma pedra no sapato de quem escreve coluna semanal, sem aquele tempo de gaveta a que a literatura de verdade faz jus. E aí é um tal de político tentando salvar a própria pele, quadrilhas sendo desbaratadas, suspeitas ganhando corpo. Surgem provas robustas, há ascensões meteóricas, muitas camadas e — nem García Márquez escapou à lei da selva da banalização — a morte anunciada disso e daquilo.
Lutar contra o clichê é briga de cachorro grande. Atire a primeira pedra quem nunca errou na mão ou mordeu a isca e acabou empurrando com a barriga esse compromisso com o erro.
É bom parar por aqui antes que dê com os burros n’água — afinal, tenho telhado de vidro. Por mais que tente, minha escrita não tem precisão cirúrgica, e mexer nesse vespeiro não impedirá que me peguem com a boca na botija, falando em narrativa, saberes, curadoria, performar — nem nos atravessamentos e interseccionalidades que, num passe de mágica, jogam uma pá de cal na legibilidade de qualquer texto.
Apesar dos pesares, entregar-se de corpo e alma à escrita é a prova de fogo de todo escritor. E cabe a ele defender com unhas e dentes seu direito de enfrentar desafios, quebrar paradigmas e não fugir da raia. Nem que apelar para a cereja do bolo seja seu tiro de misericórdia.
E isso é só a ponta do iceberg.
Eduardo Affonso
Reflexões do tipo a quem interessar possa
Peço vênia para repetir o que há tempos tenho feito: uma tentativa de diálogo com quem queira olhar o Brasil com os olhos abertos. Parto do que enxergo sem grande esforço, baseando-me apenas no que me chega pelos jornais.
Tenho para mim que o Brasil não é um país difícil de governar. Somos naturalmente protegidos pela extensão de nosso território e pelas enormes distâncias que nos separam das potências que nos varreriam do mapa se nos encrencássemos com elas no terreno bélico. Sublinhemos também que, pelo menos no setor externo, já não estamos ameaçados por vulnerabilidades como as de meio século atrás, quando a escassez de insumos essenciais nos estrangulava e endividamentos mastodônticos como o da era Geisel eram um tormento constante. Ao contrário, nosso pujante agronegócio e a mineração nos dão certa tranquilidade, sem embargo de serem poucos os produtos que somos capazes de exportar e poucos, também, os países compradores.
É essencial frisar que estamos voando com duas turbinas desligadas, a da indústria (cuja participação no PIB já foi de 27% e hoje está reduzida a 21,3%, na ampla definição do IBGE, que não se restringe à indústria manufatureira) e a debilidade do consumo doméstico. Tudo isso somado deveria abrir nossos olhos para o fato de que somos um país teoricamente robusto, mas vulnerável a graves retrocessos.
A anemia do mercado a que me referi no parágrafo anterior é a que estamos vivendo no momento, de caráter conjuntural. Mas temos de afirmar, em alto e bom som, que quase nada fizemos de relevante para criar uma classe média digna do nome, apoiada em médias e pequenas empresas, capacitada não só a produzir, mas também a inovar, como aconteceu na Itália, e livre da teia burocrática que a cada momento lhe tolhe os passos. Desde o saudoso Hélio Beltrão, tudo o que se disse a esse respeito foi conversa fiada. Visualmente, nossa estrutura social pode ser descrita como uma pirâmide com um minúsculo ápice formado por 1% da população, bilionários que controlam 37% da renda e da riqueza, segundo levantamento feito dois anos atrás pelo Ministério da Fazenda. A chamada “classe média” pode equivaler a 40% ou 60%, dependendo de como se faça a conta, mas não nos esqueçamos de que grande parte dela são crustáceos que fincaram as unhas no casco do Estado: os grupos que denominamos “corporativistas”, que se valem da posição privilegiada que lhes advém do fato de estarem “lá dentro” para inserir todo tipo de privilégio na legislação, nos níveis federal, estadual e municipal.
No setor privado, por classe média deve-se entender as famílias que têm pelo menos uma pessoa trabalhando, em empregos estáveis. Essas não têm muito com o que se preocupar, salvo sua própria passividade, pois pouco ou nada farão para monitorar e pressionar o sistema político, uma vez que mal conhecem seus próprios interesses.
A base da pirâmide nem requer uma descrição detalhada. Uma pequena parte dela é o que, por misericórdia, chamamos de baixa classe média; o resto, que deve compreender pelo menos 30% da população total, são os permanentemente desempregados, os que mal sabem o que vão comer no dia seguinte, os que mal conseguem ler o letreiro do ônibus e que formam a imensa maioria das favelas e periferias das metrópoles. Os mais desprovidos da sorte passam a tarde revirando latas de lixo na esperança de encontrar algo que lhes seja digestivo na refeição da noite.
A chance de nos alçarmos ao nível de desenvolvimento econômico e social pelo menos dos países da Europa meridional é remota. Nossa renda anual por habitante é inferior à do Mississippi, o Estado mais pobre da federação norte-americana. Crescendo 2% ao ano, durante um longo período, levaremos uma geração inteira para sair desse poço em que caímos. O nível da França ou da Alemanha não alcançaremos em décadas, talvez nem em séculos. Não custa lembrar que a Europa sofreu duas guerras devastadoras e se reergueu. Na 1.ª Guerra Mundial, 20 milhões morreram em combate e 21 milhões em decorrência de doenças causadas pela movimentação das tropas.
Em termos realistas, temos de pensar num Uruguai ou num Chile grande, construindo uma sociedade mais justa, capaz de proporcionar saúde, educação e bem-estar a seus cidadãos. Mas já passa da hora de cairmos na real: mesmo isso será muito difícil.
Dado o quadro esboçado acima, é fácil concluir que a eleição presidencial e as legislativas de 2026 serão cruciais. Os nomes que por aí vêm pipocando dificilmente empolgarão nossos 150 milhões de eleitores. Se os poucos atilados que permanecem na vida pública não forem capazes de se aglutinar num centro consistente e confiável, com um candidato competitivo, o velho enredo se repetirá: teremos Lula, que enfiado até o pescoço no velho hábito da gastança, e seu Partido dos Trabalhadores, tentando mais uma vez empurrar a campanha para a velha patacoada ideológica de esquerda versus direita. No ramerrame lulista, permaneceremos onde há tempos estamos. Fellini mostrou-nos uma nave que zarpava, a nossa não partirá.
Tenho para mim que o Brasil não é um país difícil de governar. Somos naturalmente protegidos pela extensão de nosso território e pelas enormes distâncias que nos separam das potências que nos varreriam do mapa se nos encrencássemos com elas no terreno bélico. Sublinhemos também que, pelo menos no setor externo, já não estamos ameaçados por vulnerabilidades como as de meio século atrás, quando a escassez de insumos essenciais nos estrangulava e endividamentos mastodônticos como o da era Geisel eram um tormento constante. Ao contrário, nosso pujante agronegócio e a mineração nos dão certa tranquilidade, sem embargo de serem poucos os produtos que somos capazes de exportar e poucos, também, os países compradores.
É essencial frisar que estamos voando com duas turbinas desligadas, a da indústria (cuja participação no PIB já foi de 27% e hoje está reduzida a 21,3%, na ampla definição do IBGE, que não se restringe à indústria manufatureira) e a debilidade do consumo doméstico. Tudo isso somado deveria abrir nossos olhos para o fato de que somos um país teoricamente robusto, mas vulnerável a graves retrocessos.
A anemia do mercado a que me referi no parágrafo anterior é a que estamos vivendo no momento, de caráter conjuntural. Mas temos de afirmar, em alto e bom som, que quase nada fizemos de relevante para criar uma classe média digna do nome, apoiada em médias e pequenas empresas, capacitada não só a produzir, mas também a inovar, como aconteceu na Itália, e livre da teia burocrática que a cada momento lhe tolhe os passos. Desde o saudoso Hélio Beltrão, tudo o que se disse a esse respeito foi conversa fiada. Visualmente, nossa estrutura social pode ser descrita como uma pirâmide com um minúsculo ápice formado por 1% da população, bilionários que controlam 37% da renda e da riqueza, segundo levantamento feito dois anos atrás pelo Ministério da Fazenda. A chamada “classe média” pode equivaler a 40% ou 60%, dependendo de como se faça a conta, mas não nos esqueçamos de que grande parte dela são crustáceos que fincaram as unhas no casco do Estado: os grupos que denominamos “corporativistas”, que se valem da posição privilegiada que lhes advém do fato de estarem “lá dentro” para inserir todo tipo de privilégio na legislação, nos níveis federal, estadual e municipal.
No setor privado, por classe média deve-se entender as famílias que têm pelo menos uma pessoa trabalhando, em empregos estáveis. Essas não têm muito com o que se preocupar, salvo sua própria passividade, pois pouco ou nada farão para monitorar e pressionar o sistema político, uma vez que mal conhecem seus próprios interesses.
A base da pirâmide nem requer uma descrição detalhada. Uma pequena parte dela é o que, por misericórdia, chamamos de baixa classe média; o resto, que deve compreender pelo menos 30% da população total, são os permanentemente desempregados, os que mal sabem o que vão comer no dia seguinte, os que mal conseguem ler o letreiro do ônibus e que formam a imensa maioria das favelas e periferias das metrópoles. Os mais desprovidos da sorte passam a tarde revirando latas de lixo na esperança de encontrar algo que lhes seja digestivo na refeição da noite.
A chance de nos alçarmos ao nível de desenvolvimento econômico e social pelo menos dos países da Europa meridional é remota. Nossa renda anual por habitante é inferior à do Mississippi, o Estado mais pobre da federação norte-americana. Crescendo 2% ao ano, durante um longo período, levaremos uma geração inteira para sair desse poço em que caímos. O nível da França ou da Alemanha não alcançaremos em décadas, talvez nem em séculos. Não custa lembrar que a Europa sofreu duas guerras devastadoras e se reergueu. Na 1.ª Guerra Mundial, 20 milhões morreram em combate e 21 milhões em decorrência de doenças causadas pela movimentação das tropas.
Em termos realistas, temos de pensar num Uruguai ou num Chile grande, construindo uma sociedade mais justa, capaz de proporcionar saúde, educação e bem-estar a seus cidadãos. Mas já passa da hora de cairmos na real: mesmo isso será muito difícil.
Dado o quadro esboçado acima, é fácil concluir que a eleição presidencial e as legislativas de 2026 serão cruciais. Os nomes que por aí vêm pipocando dificilmente empolgarão nossos 150 milhões de eleitores. Se os poucos atilados que permanecem na vida pública não forem capazes de se aglutinar num centro consistente e confiável, com um candidato competitivo, o velho enredo se repetirá: teremos Lula, que enfiado até o pescoço no velho hábito da gastança, e seu Partido dos Trabalhadores, tentando mais uma vez empurrar a campanha para a velha patacoada ideológica de esquerda versus direita. No ramerrame lulista, permaneceremos onde há tempos estamos. Fellini mostrou-nos uma nave que zarpava, a nossa não partirá.
O Consenso de Londres no Século XXI
Diante dos desafios das últimas três décadas, o mundo assiste ao processo de transição dos princípios econômicos para o Século XXI. Surge a construção, em curso, do Consenso de Londres.
O Consenso de Washington tinha a essência monolítica da ênfase nos fatores econômicos. O Consenso de Londres amplia o foco e incorpora os fatores institucionais e sociais. A economia política.
Do famoso motto “é a economia, estúpido” para o novo motto em construção: “é a política, estúpido”. Da ênfase no lado da demanda agregada e da eficiência estática, para a ênfase no lado da oferta e da eficácia dinâmica: a geração do crescimento com foco em políticas de desenvolvimento produtivas.
Durante três décadas, a partir de 1990, o chamado Consenso de Washington – formulado por John Willianson – estabeleceu diretrizes para a formulação e implementação de políticas econômicas em todo o mundo. Teve sucesso essencial na diminuição da pobreza mundial.
Mas negligenciou a crescente importância dos fatores institucionais e sociais. Hoje o mundo assiste a um processo de transição e mudanças aceleradas. A geopolítica da queda da União Soviética, da ascensão da China, e do declínio ocidental. Hoje, os movimentos imperiais táticos e estratégicos da China, dos Estados Unidos e da Rússia. E a ascensão da Índia.
Ao longo do caminho, são novos os desafios: mudanças climáticas; perda de biodiversidade; a pandemia da Covid 19; as diversas desigualdade (não apenas econômicas); os efeitos perversos da tecnologia na política (populismo); a destruição criativa; a fragmentação econômica global (desglobalização); a polarização; as guerras; e o declínio da democracia liberal.
Mudou o mundo, mudaram-se as circunstâncias e os problemas políticos, sociais e econômicos. Novos princípios em curso. Está em processo de consolidação o Consenso da Londres. Desde 2023.
Tudo começou com uma Conferência na London School of Economics and Political Science (LSE), em maios de 2023, que agregou um grupo de economistas e outros cientistas sociais para explorar a construção de um novo Consenso. No campus da LSE, um “hub” cosmopolita que se move pelo motto centenário do “rerum cognoscere causas” (“conhecer as causas das coisas”, em tradução livre).
Esta Conferência impulsionou dois anos de debates e trocas de reflexões e “insights”, gerando a publicação, agora em 2025, de uma coletânea de ensaios, análises e proposições: “The London Consensus”, da LSE Press. São um conjunto de princípios para embasar formulação e implementação de políticas públicas e lidar com os desafios econômicos, sociais, políticos e institucionais do Século XXI.
O Consenso de Washington tinha/tem um caráter prescritivo e monolítico (a economia), com ênfase, como se sabe, em três bases para a estabilidade fiscal – a fiscal, a monetária, a financeira, com as ferramentas da taxa de juros e da taxa de câmbio. O alvo é a redução da necessidade de dívida pública e a solvência.
Com o motte da “é a economia, estúpido”, adveio a receita básica da liberalização, da desregulamentação e da privatização, claro que com a incorporação dos devidos matizes nacionais e temporais. A premissa do crescimento econômico e o limite da relação dívida pública/PIB.
O Consenso de Londres não é prescritivo e monolítico. Não tem receita de bolo e contempla especificidades regionais/nacionais. Busca a “eficiência dinâmica” através de princípios focados nos desafios e voltados para a criação de paradigmas e diretrizes para as políticas públicas.
São cinco princípios básicos, aqui enumerados sem detalhes, dados os limites deste espaço.
O foco no bem-estar. E não apenas no dinheiro. Uma visão não apenas material de bem-estar. Convergindo eficiência com eficácia e equidade, via “eficiência dinâmica”. Significa que “o crescimento importa, mas a localização também”. Daí a ênfase em escolhas de “o que” produzir, “como” produzir e “onde” produzir – com interação entre as políticas públicas (sociais, econômicas e institucionais), os incentivos à produção e as decisões de inovação, tudo na direção do crescimento/desenvolvimento;
“Construção de resiliência” para enfrentar as incertezas e volatilidades das políticas fiscal e monetária e da geopolítica. Vem daí a ênfase no papel do governo como “garantidor de última instância” (como na pandemia, por exemplo). E a defesa de um “desenho prudencial e regulatório”. É preciso uma política fiscal para além do papel keynesiano, pois a causalidade é múltipla e volátil;
Não há boa economia sem boa política. Com a instabilidade advinda dos fenômenos da globalização e da desglobalização, das mudanças tecnológicas (IA), das mudanças climáticas, e do populismo e polarização, a política será a fonte de choques econômicos. Volatilidade e incerteza. Círculo vicioso: choques econômicos = choques políticos = populismo. Por isto, boas políticas econômicas relaxam a política, mas a política precisa exercer o papel de “tornar possível” o equilíbrio político-institucional. Vem daí a visão moderna de economia política: instituições para consenso e efetividade no processo decisório. Legitimidade, responsabilidade diante da sociedade e coalizões políticas. O foco na Política é central no desenho do Consenso de Londres.
“Estado capaz”. A ênfase na qualidade do Estado, via construção de instituições e estruturas organizacionais modernas. Estado melhor, para além da dicotomia Estado grande “versus” Estado mínimo. “O mítico estado pequeno dos ideais libertários não vê que a economia de mercado requer um conjunto de instituições de mercado como suporte”. Estado forte não significa Estado grande. Não significa estatização.
Neste contexto de princípios e diretrizes que embasam as políticas públicas, a construção do Consenso de Londres é uma obra em movimento. Várias de suas sugestões já estão sendo implementadas mundo afora pelos formuladores de políticas públicas.
Por exemplo, política fiscal prudencial com redução da dívida líquida nos “bons momentos” do ciclo econômico; manutenção da “meta de inflação” do Consenso de Washington; e ênfase do lado da oferta (“progressivismo” do lado da oferta, dizem os autores). Quer dizer, produzir e inovar. Desenvolvimento produtivo na indústria, nos serviços e no agronegócio.
Com capacidade estatal e do sistema político. Da ortodoxia e dos dogmas à flexibilidade de respostas às incertezas e volatilidades.
Boas referências para o debate político e econômico nas eleições gerais de 2026 no Brasil.
Um novo capitalismo em movimento.
O Consenso de Washington tinha a essência monolítica da ênfase nos fatores econômicos. O Consenso de Londres amplia o foco e incorpora os fatores institucionais e sociais. A economia política.
Do famoso motto “é a economia, estúpido” para o novo motto em construção: “é a política, estúpido”. Da ênfase no lado da demanda agregada e da eficiência estática, para a ênfase no lado da oferta e da eficácia dinâmica: a geração do crescimento com foco em políticas de desenvolvimento produtivas.
Durante três décadas, a partir de 1990, o chamado Consenso de Washington – formulado por John Willianson – estabeleceu diretrizes para a formulação e implementação de políticas econômicas em todo o mundo. Teve sucesso essencial na diminuição da pobreza mundial.
Mas negligenciou a crescente importância dos fatores institucionais e sociais. Hoje o mundo assiste a um processo de transição e mudanças aceleradas. A geopolítica da queda da União Soviética, da ascensão da China, e do declínio ocidental. Hoje, os movimentos imperiais táticos e estratégicos da China, dos Estados Unidos e da Rússia. E a ascensão da Índia.
Ao longo do caminho, são novos os desafios: mudanças climáticas; perda de biodiversidade; a pandemia da Covid 19; as diversas desigualdade (não apenas econômicas); os efeitos perversos da tecnologia na política (populismo); a destruição criativa; a fragmentação econômica global (desglobalização); a polarização; as guerras; e o declínio da democracia liberal.
Mudou o mundo, mudaram-se as circunstâncias e os problemas políticos, sociais e econômicos. Novos princípios em curso. Está em processo de consolidação o Consenso da Londres. Desde 2023.
Tudo começou com uma Conferência na London School of Economics and Political Science (LSE), em maios de 2023, que agregou um grupo de economistas e outros cientistas sociais para explorar a construção de um novo Consenso. No campus da LSE, um “hub” cosmopolita que se move pelo motto centenário do “rerum cognoscere causas” (“conhecer as causas das coisas”, em tradução livre).
Esta Conferência impulsionou dois anos de debates e trocas de reflexões e “insights”, gerando a publicação, agora em 2025, de uma coletânea de ensaios, análises e proposições: “The London Consensus”, da LSE Press. São um conjunto de princípios para embasar formulação e implementação de políticas públicas e lidar com os desafios econômicos, sociais, políticos e institucionais do Século XXI.
O Consenso de Washington tinha/tem um caráter prescritivo e monolítico (a economia), com ênfase, como se sabe, em três bases para a estabilidade fiscal – a fiscal, a monetária, a financeira, com as ferramentas da taxa de juros e da taxa de câmbio. O alvo é a redução da necessidade de dívida pública e a solvência.
Com o motte da “é a economia, estúpido”, adveio a receita básica da liberalização, da desregulamentação e da privatização, claro que com a incorporação dos devidos matizes nacionais e temporais. A premissa do crescimento econômico e o limite da relação dívida pública/PIB.
O Consenso de Londres não é prescritivo e monolítico. Não tem receita de bolo e contempla especificidades regionais/nacionais. Busca a “eficiência dinâmica” através de princípios focados nos desafios e voltados para a criação de paradigmas e diretrizes para as políticas públicas.
São cinco princípios básicos, aqui enumerados sem detalhes, dados os limites deste espaço.
O foco no bem-estar. E não apenas no dinheiro. Uma visão não apenas material de bem-estar. Convergindo eficiência com eficácia e equidade, via “eficiência dinâmica”. Significa que “o crescimento importa, mas a localização também”. Daí a ênfase em escolhas de “o que” produzir, “como” produzir e “onde” produzir – com interação entre as políticas públicas (sociais, econômicas e institucionais), os incentivos à produção e as decisões de inovação, tudo na direção do crescimento/desenvolvimento;
“Construção de resiliência” para enfrentar as incertezas e volatilidades das políticas fiscal e monetária e da geopolítica. Vem daí a ênfase no papel do governo como “garantidor de última instância” (como na pandemia, por exemplo). E a defesa de um “desenho prudencial e regulatório”. É preciso uma política fiscal para além do papel keynesiano, pois a causalidade é múltipla e volátil;
Não há boa economia sem boa política. Com a instabilidade advinda dos fenômenos da globalização e da desglobalização, das mudanças tecnológicas (IA), das mudanças climáticas, e do populismo e polarização, a política será a fonte de choques econômicos. Volatilidade e incerteza. Círculo vicioso: choques econômicos = choques políticos = populismo. Por isto, boas políticas econômicas relaxam a política, mas a política precisa exercer o papel de “tornar possível” o equilíbrio político-institucional. Vem daí a visão moderna de economia política: instituições para consenso e efetividade no processo decisório. Legitimidade, responsabilidade diante da sociedade e coalizões políticas. O foco na Política é central no desenho do Consenso de Londres.
“Estado capaz”. A ênfase na qualidade do Estado, via construção de instituições e estruturas organizacionais modernas. Estado melhor, para além da dicotomia Estado grande “versus” Estado mínimo. “O mítico estado pequeno dos ideais libertários não vê que a economia de mercado requer um conjunto de instituições de mercado como suporte”. Estado forte não significa Estado grande. Não significa estatização.
Neste contexto de princípios e diretrizes que embasam as políticas públicas, a construção do Consenso de Londres é uma obra em movimento. Várias de suas sugestões já estão sendo implementadas mundo afora pelos formuladores de políticas públicas.
Por exemplo, política fiscal prudencial com redução da dívida líquida nos “bons momentos” do ciclo econômico; manutenção da “meta de inflação” do Consenso de Washington; e ênfase do lado da oferta (“progressivismo” do lado da oferta, dizem os autores). Quer dizer, produzir e inovar. Desenvolvimento produtivo na indústria, nos serviços e no agronegócio.
Com capacidade estatal e do sistema político. Da ortodoxia e dos dogmas à flexibilidade de respostas às incertezas e volatilidades.
Boas referências para o debate político e econômico nas eleições gerais de 2026 no Brasil.
Um novo capitalismo em movimento.
A alegria de viver dos cariocas ou o pessimismo dos alemães?
O fim está próximo – pelo menos o de 2025. É, portanto, chegada a hora de arrumar a mala e partir para a Alemanha para passar o Natal com a família. O Rio de Janeiro da maravilhosa Zona Sul se despede com céu azul, 32 °C e praias cheias de banhistas. Dos restaurantes da redondeza vem o cheiro do churrasco das festas de fim de ano.
Esse é o Rio que encanta as pessoas, tanto os cariocas como os turistas que eu encontrei nos últimos dias na praia e que não queriam voltar para a fria Europa. Lá, eu ouço de amigos e parentes, o ânimo está em baixa, a economia não anda bem, uns se incomodam com o número crescente de migrantes, outros têm medo de que a extrema direita chegue ao poder.
Pior do que isso só mesmo o medo da guerra na Europa. E isso que 2 mil quilômetros separam a minha cidade natal do front na Ucrânia. German Angst é como americanos e britânicos costumam chamar esse constante temor dos alemães de que as coisas vão piorar.
Tanto mais estranho, portanto, que as pessoas no Rio costumem estar de bom humor e encarem a vida de forma mais leve. Todos parecem aceitar que os assaltos aumentaram, que em todos os lugares é preciso tomar cuidado para não se ter o celular roubado. No Brasil a economia também não está perfeita, é o que se lê. Um ex-presidente foi mandado para cadeia por tentativa de golpe de Estado . Também no Rio há políticos presos. Isso não é nada de novo, dizem as pessoas – e dão de ombros.
Não são 2 mil quilômetros, mas meros 20 que separam o meu apartamento no Rio do local onde, no fim de outubro, 121 pessoas foram mortas numa troca de tiros que durou horas durante uma operação policial. Quando fui ao local da chacina, dois dias depois, as poças de sangue e as roupas dos mortos ainda estavam lá. Mães choravam por seus filhos, políticos de esquerda estavam lá e davam entrevistas, gritava-se palavras de ordem contra o governador de direita, que era chamado de "assassino" – também isso provavelmente uma maneira de expressar a frustração com a política.
A impressão que tenho é de que, de alguma maneira, as pessoas se acostumaram a esses acontecimentos. Ainda uns anos atrás eu escrevia sobre massacres como o do Jacarezinho em 2021, no qual 27 civis foram mortos. O maior da história, dizia-se então, e todos estavam chocados. E agora são 121 mortos. Quantos serão no próximo? Mas as pessoas parecem que vão se acostumando, como o sapo que vai sendo cozinhado aos poucos, sem perceber que a água vai ficando cada vez mais quente.
Mas talvez elas não vejam outra saída senão o confronto. As pesquisas mostram que uma esmagadora maioria dos cidadãos apoia uma postura linha-dura por parte da polícia. Também nas favelas o apoio é elevado. Políticos que prometem linha-dura e tolerância zero estão vencendo eleições em muitos países da América Latina. O governador do Rio de Janeiro viu sua popularidade até mesmo aumentar em decorrência da sangrenta operação policial do fim de outubro.
No caminho para o aeroporto eu passo pela gigantesca árvore de Natal flutuante na enseada de Botafogo, que à noite brilha em tons de azul e lilás sobre a água. Um Natal quente em vez de um Natal com neve, penso. E já me alegro com o clima frio que vou encontrar na Alemanha.
Um conhecido meu da Itália que mora no Rio sempre diz que a Europa o angustia. Lá onde a vida é sempre planejável e a trajetória parece predeterminada do berço ao túmulo, as pessoas reagem aos percalços da vida com uma sensação de fim de mundo. Ele prefere muito mais o Rio, onde a dor e a alegria podem ser vividas sem contenção.
Chego ao Aeroporto Santos Dumont. Na entrada há um grupo de garotos vendendo balas. Eles usam camisetas do Flamengo, o clube do momento, que acumula um título atrás do outro. Umas pessoas estão deitadas na calçada ao lado da entrada. Seriam moradores de rua, talvez mendigos? Em toda a cidade parece haver mais deles, mas aqui no aeroporto eu nunca tinha visto tantos juntos.
De lá vou para o portão de embarque com destino à Alemanha. Lá os amigos e parentes sempre comentam com que leveza eu encaro a vida. Eu mesmo me sinto um casmurro. E, depois de 25 anos no Brasil, tenho cada vez mais a impressão de não entender mais nem o Brasil nem a Alemanha.
Esse é o Rio que encanta as pessoas, tanto os cariocas como os turistas que eu encontrei nos últimos dias na praia e que não queriam voltar para a fria Europa. Lá, eu ouço de amigos e parentes, o ânimo está em baixa, a economia não anda bem, uns se incomodam com o número crescente de migrantes, outros têm medo de que a extrema direita chegue ao poder.
Pior do que isso só mesmo o medo da guerra na Europa. E isso que 2 mil quilômetros separam a minha cidade natal do front na Ucrânia. German Angst é como americanos e britânicos costumam chamar esse constante temor dos alemães de que as coisas vão piorar.
Tanto mais estranho, portanto, que as pessoas no Rio costumem estar de bom humor e encarem a vida de forma mais leve. Todos parecem aceitar que os assaltos aumentaram, que em todos os lugares é preciso tomar cuidado para não se ter o celular roubado. No Brasil a economia também não está perfeita, é o que se lê. Um ex-presidente foi mandado para cadeia por tentativa de golpe de Estado . Também no Rio há políticos presos. Isso não é nada de novo, dizem as pessoas – e dão de ombros.
Não são 2 mil quilômetros, mas meros 20 que separam o meu apartamento no Rio do local onde, no fim de outubro, 121 pessoas foram mortas numa troca de tiros que durou horas durante uma operação policial. Quando fui ao local da chacina, dois dias depois, as poças de sangue e as roupas dos mortos ainda estavam lá. Mães choravam por seus filhos, políticos de esquerda estavam lá e davam entrevistas, gritava-se palavras de ordem contra o governador de direita, que era chamado de "assassino" – também isso provavelmente uma maneira de expressar a frustração com a política.
A impressão que tenho é de que, de alguma maneira, as pessoas se acostumaram a esses acontecimentos. Ainda uns anos atrás eu escrevia sobre massacres como o do Jacarezinho em 2021, no qual 27 civis foram mortos. O maior da história, dizia-se então, e todos estavam chocados. E agora são 121 mortos. Quantos serão no próximo? Mas as pessoas parecem que vão se acostumando, como o sapo que vai sendo cozinhado aos poucos, sem perceber que a água vai ficando cada vez mais quente.
Mas talvez elas não vejam outra saída senão o confronto. As pesquisas mostram que uma esmagadora maioria dos cidadãos apoia uma postura linha-dura por parte da polícia. Também nas favelas o apoio é elevado. Políticos que prometem linha-dura e tolerância zero estão vencendo eleições em muitos países da América Latina. O governador do Rio de Janeiro viu sua popularidade até mesmo aumentar em decorrência da sangrenta operação policial do fim de outubro.
No caminho para o aeroporto eu passo pela gigantesca árvore de Natal flutuante na enseada de Botafogo, que à noite brilha em tons de azul e lilás sobre a água. Um Natal quente em vez de um Natal com neve, penso. E já me alegro com o clima frio que vou encontrar na Alemanha.
Um conhecido meu da Itália que mora no Rio sempre diz que a Europa o angustia. Lá onde a vida é sempre planejável e a trajetória parece predeterminada do berço ao túmulo, as pessoas reagem aos percalços da vida com uma sensação de fim de mundo. Ele prefere muito mais o Rio, onde a dor e a alegria podem ser vividas sem contenção.
Chego ao Aeroporto Santos Dumont. Na entrada há um grupo de garotos vendendo balas. Eles usam camisetas do Flamengo, o clube do momento, que acumula um título atrás do outro. Umas pessoas estão deitadas na calçada ao lado da entrada. Seriam moradores de rua, talvez mendigos? Em toda a cidade parece haver mais deles, mas aqui no aeroporto eu nunca tinha visto tantos juntos.
De lá vou para o portão de embarque com destino à Alemanha. Lá os amigos e parentes sempre comentam com que leveza eu encaro a vida. Eu mesmo me sinto um casmurro. E, depois de 25 anos no Brasil, tenho cada vez mais a impressão de não entender mais nem o Brasil nem a Alemanha.
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